Noventa e sete pôs-me a caminho de uma faculdade ao virar da esquina (estudar fora era impensável para a minha mãe e o meu pai conseguira sem esforço vender-me a ideia do curso de direito). Vivia desgostosa, refém de uma boca e de uma cabeça que nunca se deixou esquecer. Anulada por ele, respeitada pelos outros, cumpria quase exemplarmente o papel de melhor aluna com personalidade forte e, no entanto ou por isso mesmo, queria ser normal como toda a gente. Ainda achava que aos vinte e cinco haveria de estar casada e com filhos. Lia muito (Saramago era então o meu autor e eu já me preocupava com a arrumação dos livros), tinha jeito para línguas e galopava sempre que possível. Foi o ano em que comecei a viajar por minha conta (Londres e Barcelona). Via cinema europeu, sobretudo francês. Tapava bastante menos o corpo, puxava pelo ruivo e vincava os olhos a escuro. Oferecia-me de vez em quando. Ignorava que nunca me tinha sentido amada e contava o tempo para sair de casa. A vida só chegou depois.
sábado, 25 de junho de 2011
terça-feira, 21 de junho de 2011
Sérgio Alcides
Júlia, cara,
“Ponte Alphonsus! Ponte Alphonsus!”
se houve um ano crucial para mim, foi 1997. Nesse ano (que fui ver chegar na praia de Copacabana) saí do Rio, onde eu tinha nascido, e nunca mais voltei para ficar. Fui para Mariana, no interior de Minas Gerais, e me tornei professor. Nunca tinha dado uma aula antes. Peguei de saída três turmas, lotadas de gente não muito mais nova do que eu, gente ótima e acolhedora. Inclusive o Pacapau, meu primeiro aluno doido, do curso noturno, que tinha ataques de perguntação incessante e aleatória, e me cumprimentava com uma saudação aborígene: Hau!
Nesse ano deu muita jaboticaba, de doce memória. Era uma vida boa, envolvida em lençóis do melhor algodão do passado. Eu ainda tinha meu heróico Fusca 1977, que já estava nas últimas, mas servia para me levar até Ouro Preto em históricas peregrinações, para ver aquela lua cheia incomparável. LDZ (ex-OZ) 0005. Azul, sempre sujo, porém sempre celeste. Ainda mais agora, quando já não existe e talvez até esteja limpinho lá dentro de sua garagem-inexistência. Que amigo fiel! Reclamava muito dos maus-tratos, mas nunca me deixou a pé.
O prefeito da cidade era um gângster que tinha sido condenado por crime de corrupção. Durante o dia, despachava na Prefeitura; à noite, voltava para sua horrenda mansão verde-musgo, em prisão domiciliar. Era o maioral daqueles penhascos.
Eu morava numa casinha térrea, na subida para a igreja do Rosário. Rua Monsenhor Horta. Minha choça de pastor inárcade. Ficava para lá da belíssima Ponte Alphonsus de Guimarães, feita de grossas e escuras toras de madeira, por cima do “pátrio ribeirão” do querido Cláudio Manuel da Costa. Turvo e feio... Eu passava por ali todo dia, dizendo para mim mesmo:
E o sino canta em lúgubres responsos: “Ponte Alphonsus! Ponte Alphonsus!”
Num dia de faxineira, saí para ir dar aula sem levar a chave. Quando voltei, ela (nome?) já tinha ido embora; fiquei na rua. O Mágico de OZ me levou até a casa dela, num bairro distante, um morro pontudo que o prefeito pelou e cobriu de casebres sem água corrente nem nada. Encontrei lá o marido dela, que não estava tão bêbado que não pudesse informar que ela devia estar na casa dos pais, num bairro próximo. Eu nunca saberia achar o caminho – e ele então mandou a criançada ir comigo. Festa! Iam andar de carro! Meu velho Fusca para eles era uma Ferrari, e o ruído irritante de mil parafusos frouxos era uma sinfonia, que os cinco pequenos e pequenas acompanhavam cantando. Quinze minutos depois, em outra parte da periferia da periferia da periferia, chegamos à casa dos pais da faxineira. Fui recebido pelo ancião, com boa (e longa) prosa. Saleta apertadíssima, com a porta da frente sempre aberta, e muita escuridão lá para dentro. No ar, um cheiro de TV nova em folha misturado com terra úmida, porque não havia soalho. A faxineira não estava, talvez chegasse mais tarde. Quando apareceu, com a chave da minha casa, já tinha anoitecido. ‘Perdi, ganhei meu dia’ – pensei, ao contrário do verso de Drummond.
‘Ganhei, perdi meu ano’. Estávamos em pleno regime FHC. Instituição do cinismo como padrão ético oficial. Perseguição à universidade pública. Proliferação nacional de shoppings e deliveries e think-tanks impensáveis. Extirpação violenta da menor sombra de espírito público. Privatização a preço de banana das jóias da tia velha. Vendagem sem precedentes de tintura loura para o desperdício das moreninhas. Atônita busca de um eufemismo em inglês para “bandalheira” na política. Exterior pop glamurizando a banda conformista juvenilóide. Enfim, era a alvorada neoliberal do nosso tempo. Tinha sido inventado um novo tipo de fascismo.
Eu ia fazer trinta anos, e não avistava nenhuma esperança no horizonte. Tinha terminado de me tornar adulto no tempo dos adolescentes retardados, cujo projeto de vida era (e ainda é) basicamente só tirar a bermuda quando for imprescindível vestir a fralda geriátrica.
No fim do ano, com minhas dívidas reais e simbólicas, eu já estava ligado a São Paulo, para onde fui depois. O coração dos tempos, capital mundial do PSDB, metrópole também dos resistentes, das hipóteses de civilização mal-ajambradas que ainda eram indigestas para o canibalismo do sistema financeiro e abriam algumas brechas para quem quisesse respirar. Eu queria muito.
- - -
Ricardo Reis
Minha memória costuma não se apegar à números. De forma que a precisão das épocas nem sempre obedecem aos anos. Pelo menos é assim que me parece. Quando falou de 1997 eu não achei nas gavetas as cartas, as imagens e as palavras que preencheram esse espaço. Foi necessário contar os anos, fazer aproximações e inventar um pouco.
(...)
Acho que 1997 foi o ano que vim pra São Paulo, mais especificamente, São Caetano, a cidade que morei por mais tempo até hoje, dos 10 aos 18 anos. Era a oitava vez que eu mudava de cidade. Se estou certo, foi um ano que influenciou muitas coisas em minha vida, evidenciaram-se as faltas, as lacunas, os medos e as incapacidades.
Vinha de Minas Gerais, do interior de Minas, duma cidade pacata, de ruas de terra e de alguns amigos. Até ali, até aquele momento nunca havia pensado sobre ser. Criança que era, apenas existia. O viver se pautava pelo prazer e pela vontade. Os costumes e modos obviamente já estavam engendrados em mim, como em qualquer um, imagino eu. Mas eu não pensava nisso, tudo se integrava, de uma maneira ou de outra, parecia que cada um era o que era, cada um era pro que nascia, não tinha porque questionar isso. Tinha?
Observar de longe as crianças brincando nas festas enquanto eu permanecia sentado nos pés de minha mãe, não era um problema. Meu silêncio não me incomodava. Passar horas fazendo guerras interestelares entre Comandos em Ação e monstros desenhados em folhas sulfites era cotidiano. O pedestal que sustentava minhas paixões não era lá tão alto, nem tinha barreiras assim, tão intransponíveis.
O choque, porém, não tardava. Caí numa cidade provinciana e um tanto cerceada, pra não dizer reacionária, pelo menos naquele contexto que eu habitava.
(...)
Tive algumas paixões na infância, alguns amores. Amores de um menino qualquer, que se contentava em alimentar essas relações pela observação. O silêncio bastava. Afinal de contas é assim que uma criança sente, com os olhos. A eloquência do corpo era inexistente, ou subjetiva demais. Pelo menos era assim pra mim.
(se bem que em alguns momentos eu já tinha observado meu corpo, já presenciara alguns sentires e alguns prazeres, mas que não cabem aqui, não agora).
(...)
Caí numa escola particular, de costumes peculiares. Violenta inclusive (pra meu olhar da época, ou melhor, pra meu olhar de mais velho olhando pra época).
Tenho a impressão que tudo se pautava pela imagem e pela quantidade.
Tenho a impressão que tudo se pautava pela imagem e pela quantidade.
As crianças logo perceberam que havia chegado um menino novo, vindo de Minas, tímido que só e muito, muito mais criança que elas. Outra coisa que só vim perceber depois.
Acho que prezava as diferenças. Meu sotaque não me dava vergonha, e nem achava ruim que os hábitos e trejeitos de um não fossem como os de outro. Não me pesou nada ignorar todos os esportes que os meninos gostavam, passar batido pelo futebol e ir fazer dança, coisa de viado praquele pessoal todo (até basquete, pra eles era coisa de bicha).
Tinha um amigo muito querido nessa época, convivíamos intensamente. Mas aos olhos daquele bando de moleques, éramos namorados.
Talvez uma complicação a mais que viria pesar sobre minha imagem era a necessidade de espaço. De um espaço pequeno e fechado. Tinha medo, assim como tenho ainda, de sair de lá. Alcançar o outro era sempre uma baita distância, digo isso hoje, claro, na época o nome que eu dava era timidez, ou coisa parecida. Naquela escola as novidades precisavam ser consumidas, do tênis da moda, ao menino novo, vindo do interior.
Não sabia como reagir àquilo tudo, ninguém observava o tempo, então era difícil conseguir lidar com aquele furor todo, das crianças que começavam a descobrir o calor. Eu tinha medo, sentia que essas trocas não eram assim qualquer coisa, eram um qualquer coisa com alguma outra coisa a mais. Pra mim, até então tudo deveria acontecer conforme a minha vontade, até que vi que as coisas não eram bem assim.
Fugi muitas vezes. Era o que me cabia, era o que meu repertório me permitia. E não tinha preparo algum para atuar nisso, eu precisava ficar na minha casca um pouquinho mais. Quem não vê tempo, raramente vê espaço, assim, me atropelaram. Vi que teria que enfrentar aquilo, quisesse ou não.
Meu primeiro beijo foi à força, com um esquadrão de umas dez crianças observando e forçando a barra, na escada do terceiro andar, na frente da sala de inglês.
Dessa vez não consegui fugir.
(...)
Por ser um ano de chegada, as imagens pré-estabelecidas não estavam ainda tão nítidas e os preconceitos ainda não estavam tão severos. Foi um ano bom lá pelas tantas, tinha meus amigos, meu pequeno grupo de bons amigos, me orgulhava por dançar; tinha minha pasta de desenhos e inventava minhas paixões. Nessa época, a invenção se chamava Nara, era da manhã. Menina calada, clara e de olhos azuis.
Por ser um ano de chegada, as imagens pré-estabelecidas não estavam ainda tão nítidas e os preconceitos ainda não estavam tão severos. Foi um ano bom lá pelas tantas, tinha meus amigos, meu pequeno grupo de bons amigos, me orgulhava por dançar; tinha minha pasta de desenhos e inventava minhas paixões. Nessa época, a invenção se chamava Nara, era da manhã. Menina calada, clara e de olhos azuis.
Não despertei o menor interesse nela, apesar de tirá-la duas vezes pra dançar nessas festas de garagem. Até hoje não sei da onde veio a coragem.
Mesmo assim, ela pairou um pouco sobre meu peito, sobre meus meus olhos, mas depois mudou de nome, se chamou Samira, depois, sei lá o quê.
Às vezes acho que amava a distância, me apaixonava por quem não alcançava. Pra não correr, nunca, o risco de não conseguir alcançar quem está perto. Desde pequeno fico buscando o ideal. O pior é que nunca acreditei em Papai Noel, nem em Deus, mas na perfeição sim. Acho que por medo de não conseguir habitar um lugar que não existia, preferia me recolher e observar o mundo pensando em como dialogar com tudo, ao invés de, simplesmente, lançar a primeira palavra:
-Oi.
E assim foi 1997, um ano que pela primera vez meu existir se chocou com o existir alheio. Um ano marcado pela dança, pelas brincadeiras, desenhos, amores, Fabrícios, uns outros nomes e alguns insultos.
José A. Pereira
Cabelo comprido, magro, moreno, com dois pêlos rapados na cara.
Apenas a fazer uma disciplina do 12º ano em Guimarães - matemática - aprendi a gostar da coisa (ou antes, a ter alguma curiosidade e inteligibilidade sobre o assunto).
Passava os meus dias a desejar a hora do exame final para ingressar nas belas-artes, que já ia com um ano de atraso.
Seguríssimo de que não me escapava tal objectivo, mesmo com a consciência que o mínimo erro, distracção, ou falta de conhecimento, nos minutos do exame nacional, me poderiam vedar tal objectivo por mais um ano, ou para todo o sempre.
Manhãs a dormir, tardes no bar - casa do arco - a preparar o set para o fim de semana, sempre à volta dos discos, de batida tecno ou house.
Domingos na rádio Fundação a acompanhar o meu primo, esse sim percebia do legado musical.
Eu era um bétinho de all-star cor de laranja!
Lia as biografias de Leonardo, Miguel Angelo, Rafael, Rembrandt...
Com uma moeda de 50 escudos, que correspondia a 2 oportunidades de jogo sem falhar níveis, na máquina puzzle bubble do salão (onde agora está o Laboratório das Artes), dava 2 voltas ao jogo, que correspondia a hora e meia de animação feita de manípulo com a mão esquerda, botão de disparo de bolas com a direita, e correspondências cromáticas no ecrã, muita adrenalina (o único jogo que não me levava a bancarrota financeira).
Com companhia jogava bilhar.
Pensava que ser pintor me dava o privilégio de mudar o mundo com imagens, que tinha uma missão... mas a vida que levava era completamente alheia ao que acontecia à minha volta.
Zétó era como me chamavam.
Zétó era como me chamavam.
- - -
Érico
Eu era um maldito nerd, engenheiro wanna-be que penteava o cabelo para o lado. Entretanto, já tinha lido todo o Rubem Fonseca e sabia de cor a numeração Köchel dos concertos e sinfonias de Mozart.
Foi o ano em que descobri na prática, com os colegas que disputavam estágios, como as pessoas do mundo corporativo podem ser felasdaputa. Portanto, foi também o ano em que resolvi parar de estudar as transformações químicas do ácido ózico ou a viabilidade econômica da hidrólise enzimática da polpa de celulose para ser feliz de verdade, relegando a feladaputagem e o conformismo aos profissionais.
De fato, a vida melhorou muito desde então. Por exemplo, passei a raspar o cabelo em vez de tentar discipliná-lo.
Foi o ano em que descobri na prática, com os colegas que disputavam estágios, como as pessoas do mundo corporativo podem ser felasdaputa. Portanto, foi também o ano em que resolvi parar de estudar as transformações químicas do ácido ózico ou a viabilidade econômica da hidrólise enzimática da polpa de celulose para ser feliz de verdade, relegando a feladaputagem e o conformismo aos profissionais.
De fato, a vida melhorou muito desde então. Por exemplo, passei a raspar o cabelo em vez de tentar discipliná-lo.
Elias Mendes
Em 1997 eu estava no limiar da inocência, e eu não sei dizer se é exatamente por isso que a imagem mental que tenho desse ano é dourada, reluzente, doce e extasiante. Digo limiar da inocência porque depois desse ano, entrei numa verdadeira espiral descendente em termos emocionais, em termos inclusive de autoconfiança. Posso ter ficado bem menos ingênuo depois, mas prefiro até hoje aquela inocência, aquela absoluta falta de noção, de limites ...
Materialmente eu era mais pobre, mas acho que emocionalmente eu nunca fui tão rico em toda minha vida. Estava na sexta série, mas eu deveria estar na quinta, por que não precisei fazer um dos anos. Se fosse hoje, seria o sétimo ano. Não tinha ambições, a não ser a de deixar todos os meus personagens no Final Fantasy 7 no level 99, coisa que nunca consegui, por falta de persistência.
Esse foi o ano do meu primeiro beijo, do meu primeiro “trabalho”, das minhas primeiras responsabilidades. Tive 11 anos durante o ano inteiro e fiz 12 quando ele terminou. Eu mestrava RPG, era o líder da classe ao longo do ano inteiro no colégio e tinha a simpatia da diretora da escola, uma leonina que hoje em dia é minha cliente. Ela sempre me escolhia pra representar a escola em todos os eventos, e isso foi na verdade desde 96 até 98, todo o período de Saturno em Áries.
Eu ainda era coroinha, escoteiro e acho que nunca, na minha vida inteiro tive tantos amigos. E eu fazia teatro no colégio. Aliás, o teatro só existia porque eu queria, eu escrevia as peças, dirigia e atuava nelas e mobilizava todo mundo pra participar, e o suporte era a amizade da diretora leonina, que tudo o que eu pedia atendia, tudo o que eu aprontasse perdoava. Acho que eu era o único que entrava na sala dela pra conversar com ela e não pra tomar bronca, nunca entendi até hoje porque todos tinham tanto medo dela.
Imitava os professores, jogava truco na hora do recreio, xadrez nas aulas de educação física, rpg antes e depois da aula. Tinha uma coleção imensa de revistas dos X-Men, herdei a coleção de um primo e comecei a comprar os números atuais naquele ano. Ia de ônibus pro colégio e levava comigo minha prima, que tinha uns 7 anos na época, arrastando ela pela mochila. A escola Básica Venceslau Bueno não ficava muito longe, era no bairro vizinho, mas mesmo assim minha mãe fazia questão de que eu fosse de ônibus porque ela tinha medo de eu morrer atropelado ao atravessar a rodovia. Frequentemente eu voltava a pé pra casa, vendia passes e comprava sorvetes ou revistas dos X-Men.
Dormíamos frequentemente na casa da namorada de minha mãe. Ainda estava me acostumando com a novidade (o fato de minha mãe namorar mulheres), que era recente. Mas ela era legal, frequentemente dava dinheiro pra mim e minhas irmãs gastarmos no shopping e geralmente íamos no cinema.
Ainda tinham os verões na casa da minha tia, onde íamos a praia, escalávamos os morros próximos, tomávamos banho de cachoeira e éramos felizes.
E o meu trabalho: uma amiga da minha mãe abriu uma espécie de lan house, mas sem computadores, apenas com videogames e eu ficava lá pelas manhãs, “trabalhando”. A única responsabilidade era a de abrir a loja no horário certo. Na verdade passava a manhã inteira jogando vídeo-game porque ninguém nunca ia jogar pela manhã ...
Bom, não sei porque, tudo o que eu fazia naquela época era muito bom, muito legal, e tudo o que eu queria acontecia. Vivia em empolgação constante, em gozo permanente. Nunca fui tão criativo, produtivo, nunca vivi tanto a vida. Hoje eu faço muitas coisas, viajo, trabalho e enfim, nada é “tão legal” quanto era naquela época. De 2000 pra cá a vida deixou de ser dourada e ficou cinzenta. To querendo entender como é que rolou, tão subitamente essa mudança na cor das “lentes” usadas por mim pra enxergar a vida. Não sei, talvez eu nem use mais lente nenhuma hoje em dia. Mas 97 é o meu “Eldorado” perdido. Estou até hoje tentando voltar, mas acho que esqueci o caminho. Talvez nada tenha sido tão bom, talvez tenha sido só a impressão, quem sabe um delírio, mas eu queria viver isso de novo, mesmo que tenha sido apenas uma “febre delirante”. Que doença boa! E não sei, acho que não é porque eu era criança não. Antes dessa época as lembranças são bem mais tenebrosas ...
- - -
Elias Mendes
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Orlando Tosetto
Em 1997 eu fiz trinta anos. A Bíblia nos dá setenta, depois dos quais tudo é “cansaço e chateação”; eu estava ainda aquém da metade, mas prestei atenção na efeméride. Comprei um disco chamado OK Computer e um livro chamado Fragmentos de um discurso amoroso – não tenho mais nenhum dos dois. Perdi cem discos de vinil para uma praga de cupins. Acordei numa sexta-feira ainda bêbado do uísque da quinta e vomitei no banheiro do trabalho. Uma puta pernambucana cantou I like Chopin para mim em japonês. Comprei uma máquina de lavar e uma televisão estéreo – ainda tenho as duas (a televisão está quebrada). Não tinha telefone nem internet, e meu computador era um 486 DX4 ou algo assim. O Palmeiras não ganhou nada. Perdi um casal de amigos. De setembro em diante, falei mais inglês e castelhano do que português, e virei don Orlando para um bando de chilenos. Em outubro, um filipino carente telefonou para a minha senhoria, que passou a me achar um sujeito importante porque me ouviu falando what?! Conheci gente que veio a me detestar e depois se arrependeu. Eu tinha um cachorro vira-latas que se machucou me defendendo de um pastor alemão. Viajei a Belém do Pará e vi um retrato de Karl Marx num shopping center de lá. Minha filha fez dois anos. Eu lia jornais. Eu tinha um walkman. Comprei camisas que ainda tenho. Eu vinha para cá, tempo e lugar; mas sem saber, como não sei para onde, tempo e lugar, estou indo agora.
- - -
o'sevla (Cristina de Oliveira Alves)
O ano de 1997… como começar? Se estivesse em 97 diria que estava então num começo, que nada sabia, nem desse ano nem dos vindouros, sabia, talvez, que não voltaria a ser antes de 97, não sabia que seria desde aí que sou o que sou hoje, mas não voltaria a ter 26 anos, teria outros anos e seria eu mesma uns anos mais, lembro-me sem saber o como, não conseguia dizer e menos ainda fazer “Pára Cristina”, mesmo que em alguns momentos quisesse.
Lembro-me que me sentia impelida a mudar de modo radical. Escrevi nesse ano “o meu projecto vida sinto-o parado: continuo a viver em casa dos meus pais; viajei mas não vivi ainda um longo período fora do país; tenho uma relação de namoro prolongada sem conseguir descobrir novos modos de sentir, novos encantos e tenho um namorado de quem gosto muito mas ele acha que é assim que tem de ser, sem paixão, ao fim de 6 anos de relacionamento”.
Lembro-me que li o “Siddartha” do H. Hesse, o “Werther” do J.W. Goethe, depois a “Queda” do A. Camus e ainda “A vida depois de Deus” do D. Coupland, sei porque fui transcrevendo algumas passagens.
Do Camus retinha sensações do passado, se o presente parasse, «o silêncio que se seguiu, na noite subitamente parada, pareceu-me interminável. Quis correr e não me mexi. Tremia, julgo eu, de frio e de surpresa. Dizia para mim mesma que era preciso agir rapidamente e sentia uma fraqueza irresistível a invadir-me o corpo. Esqueci-me do que então pensei: “tarde demais, longe demais…” ou qualquer coisa deste género. Escutava ainda imóvel. Depois em passos rápidos, debaixo da chuva, afastei-me. Não preveni ninguém.»
Do Coupland vinham premonições do futuro, se o presente ficasse, «a seguir fiquei mesmo cheio de solidão e tão farto das coisas más da minha vida e do mundo que disse para comigo: “Meu Deus, faz de mim um pássaro… É tudo o que sempre desejei… um pássaro branco e ágil, livre de vergonha, de maldade e de medo da solidão, e dá-me outros pássaros brancos com quem voar, dá-me um céu tão grande e tão vasto que, se eu nunca quiser descer para a terra, não tenha que o fazer.” Mas Deus, em vez disso, deu-me estas palavras e eu digo-as aqui.»
Em 1997 eu sentia que era eu só mais eu.
Resolvi que tinha de aprender a cair, fiz um curso do Peter Michael Dietz, fiquei cheia de nódoas negras espalhadas pelo corpo, o espírito cheio de força, pensamentos coragem, e foi que, deixei o sonho de ser bailarina cair por terra, olhei o ar à procura do céu.
Resolvi que tinha de aprender a cair, fiz um curso do Peter Michael Dietz, fiquei cheia de nódoas negras espalhadas pelo corpo, o espírito cheio de força, pensamentos coragem, e foi que, deixei o sonho de ser bailarina cair por terra, olhei o ar à procura do céu.
Com um nó na garganta e um aperto no coração fui ter com o meu namorado e disse que não queria mais namorar… esqueci entretanto o que inventei do lado de lá do nó, demorei a sofrer desta. Mas eu achava que se vamos enfrentar tempestades e vendavais só podemos deixar ir connosco quem tiver a mesma ousadia, não podemos obrigar quem está bem a vir e a deixar o seu bem estar. Foi uma suposição, apenas. E um esquecimento, por amor. Também esqueci em que estreito foi que, aqui sem nós, seria entre rochedos, terminei o Estágio de Advocacia e suspendi funções. Chorei, discuti muito com o meu pai e a minha mãe, a certa altura só com o meu pai, ele sem entender foi anuindo à minha anulação desse caminho profissional, eu repetia que não queria mais, disse que cumprira tudo, que mais seria demais. Ele, magoado, mas foi-me olhando com carinho. Eu, esgotada, precisava olhar um horizonte de sol largo e quente. Tomei a decisão de ir estudar o meu último ano do curso de História de Arte em Barcelona, ao mesmo tempo que decidia um futuro incerto cheio de esperança decidia também um futuro certo cheio de dificuldades, optei pelo ramo educativo de História de Arte, seria professora, talvez… talvez… talvez… talvez… tal vez…
Vi filmes, muitos filmes, eu e os meus filmes e os dos outros, no meio de uma quantas pessoas, o Porto ainda tinha muitas salas de cinema, vi o Lost HighWay no Pedro Cem.
Em 1997 eu sentia que era eu só mais eu. Eu aprendia, demoradamente, que na paixão somos todos feitos de incompetências sem sabedoria de ninguém.
Se fossem 1997 vezes algumas seriam tal qual, outras às vezes e outras coisa e tal.
Sem ser um ano fácil de lembrar é um ano determinante na lembrança, do que eu era e do que eu sou, hoje. Aliás, repito o número por espanto númerico-alfabético neste processo de rememorização. Grata Júlia de Carvalho Hansen por bater à porta desse espanto.
Sem ser um ano fácil de lembrar é um ano determinante na lembrança, do que eu era e do que eu sou, hoje. Aliás, repito o número por espanto númerico-alfabético neste processo de rememorização. Grata Júlia de Carvalho Hansen por bater à porta desse espanto.
- - -
José Muniz Jr.
O nono ano ainda se chamava oitava série, e acho que a coisa toda já se chamava ensino fundamental, mas de fundamental só tinha mesmo a professora Marlene, de matemática.
Eu escrevia poemas e fazia teatro. Foi por isso que, em 1997, aceitei encarnar Mickey Mouse numa festa no Dia das Crianças (eu, que ainda era uma!). Mas as crianças nem queriam saber de Mickey: queriam era puxar o meu rabo de rato, pisar no meu pé de rato e saber quem era a pessoa sob a pelúcia de rato.
"Mickey, você é homem, mulher ou viado?" (Achei a pergunta difícil naquela época.)
"Mickey, tem mais bala aí?" (Eu não podia responder, não sabia fazer voz de Mickey; fazia "não" com o dedo indicador, embora o desejo fosse dizer com o dedo médio.)
Com os cinquenta reais (uma fortuna!) que ganhei interpretando Mickey, comprei meu primeiro livro. Era a "Antologia poética" do Carlos Drummond de Andrade. Custou dezessete reais. Juro que não lembro o que fiz com o restante do dinheiro, mas suponho que tenha gastado em sanduíches e em vinho vagabundo pra beber sentado no meio-fio da praça. Nada aos pobres.
Gastei alguns meses lendo e relendo o prefácio do Drummond para o jovem leitor. Era a parte que eu entendia. Quando segui adiante na leitura, passei a não entender mais nada. Mas os poemas me faziam chorar e perder o fôlego. Chorar e perder o fôlego foram coisas que aprendi com Drummond; pratiquei bastante nos anos seguintes.
Mas aí já entramos em 1998, 1999, 2010, 2011, quem sabe? Então, registre-se apenas que em 1997 o nono ano ainda se chamava oitava série.
- - -
José Muniz Jr.
Daniel Ribão
Em 1997 eu tocava guitarra e tinha 17 anos.
Tinha uma banda que se chamava Satan Klaus e uma chamada Avatar (Ainda não havia o filme, e nem a internet existia muito, por isso acho curioso lembrar do nome).
Depois dos ensaios em um estúdio tosco, saíamos de camisas pretas ao sol, comprávamos cachaça ruim e suco de abacaxi e bebíamos sentados na calçada.
Tinha um grupo de amigos que se reunia sempre para tomar cerveja, ouvir metal e discutir os grandes problemas da humanidade.
Todos os dias à tarde eu tomava, com pelo menos dois amigos, uma garrafa de vinho chapinha e comia um brigadeirão da padaria.
Às vezes a gente assistia ao Monty Python bêbados e morríamos de rir.
Eu bebia muito e tinha muito tempo à toa. Lembro que a embriaguez e a amizade eram excelentes comparsas.
Nas conversas sobre o universo, eu comecei defendendo ferrenhamente um ponto de vista "místico" mas acabei a temporada filosófica no time dos céticos. Apesar disso, não acho que mudei muito de ideia.
Além do metal, eu ia começando a conhecer outras coisas. Lembro-me do Milton Nascimento:
"Volver a los 17" era um clássico na altura, mas era mais porque coincidia com minha idade.
Outro dia ouvi de novo a canção na mesma voz, mas a sensação foi, apesar de muito forte, completamente outra.
Tinha uma banda que se chamava Satan Klaus e uma chamada Avatar (Ainda não havia o filme, e nem a internet existia muito, por isso acho curioso lembrar do nome).
Depois dos ensaios em um estúdio tosco, saíamos de camisas pretas ao sol, comprávamos cachaça ruim e suco de abacaxi e bebíamos sentados na calçada.
Tinha um grupo de amigos que se reunia sempre para tomar cerveja, ouvir metal e discutir os grandes problemas da humanidade.
Todos os dias à tarde eu tomava, com pelo menos dois amigos, uma garrafa de vinho chapinha e comia um brigadeirão da padaria.
Às vezes a gente assistia ao Monty Python bêbados e morríamos de rir.
Eu bebia muito e tinha muito tempo à toa. Lembro que a embriaguez e a amizade eram excelentes comparsas.
Nas conversas sobre o universo, eu comecei defendendo ferrenhamente um ponto de vista "místico" mas acabei a temporada filosófica no time dos céticos. Apesar disso, não acho que mudei muito de ideia.
Além do metal, eu ia começando a conhecer outras coisas. Lembro-me do Milton Nascimento:
"Volver a los 17" era um clássico na altura, mas era mais porque coincidia com minha idade.
Outro dia ouvi de novo a canção na mesma voz, mas a sensação foi, apesar de muito forte, completamente outra.
João Adolfo
Em fevereiro de 1997, voltei da França. Estive lá acho que desde agosto ou setembro de 1996 convidado pra fazer um seminário na École des Hautes Études sobre a poesia atribuída ao seiscentista Gregório de Matos e Guerra. Eu o fiz etc. Era inverno. O céu muito baixo, de chumbo, cinza, opressivo. E o frio, o frio frio, desgraçadamente frio. Paris não era uma festa. Quando voltei para o Brasil, começo de fevereiro de 1997, o avião parou no Rio antes de seguir para São Paulo. Quando abriram as portas, o verão entrou com seus 40 graus, e aquele cheiro de Mata Atlântica, úmido e verde e denso e quente, como uma surpresa, um tapa de boas vindas. Me reconheci, disse comigo: "Brasil!". E me senti em casa, no mato. Não sou nacionalista, gostaria de ser apátrida e ter nascido na fronteira do Paraguai com a Finlândia (Lévi Strauss dizia que para ele o Brasil era um perfume queimado. Para mim, é o perfume vivo da Mata Atlântica). Gosto muito do Brasil por causa dele. Não. Acho que só gosto é dele, do cheiro quente de mato úmido onde agora uma orquídea acaba de abrir silenciosa e profunda, sem ninguém saber. O Brasil é outra coisa. O Brasil é melhor esquecê-lo. É o que me lembro agora de 1997.
Valentina
Então, sou Valentina...
Em 1997 eu era quase feliz!
Estudava. Trabalhava. Pensava que era Eu!
1997 passou por mim como grande pênis lubrificado...
Entrou, me iluminou e saiu rapidamente... Deixou muito prazer e audácia!
Foi o ano que me abriu as portas para o inferno de 1998...
Ahhhh que saudade de 97!!
Sem dores, medos ou culpas...
Ano de muita intensidade, alegria! Paixão!
Como era bom saber que todo o prazer do mundo cabia entre minha pernas...
Ahhhhhhh Eu era a dona da minha indecência rsrsrs
E como era bom...
No 31 de outubro de 1997 começou a sina de um ano que nunca termina...
Amanheci em abril de 1998 retalhada...
Dilacerada e sem nome para dar a essa dor...
Não há próximos passos...só um longo rastejar...
Como diria o jacaré de esgoto que mastiga humanos nas horas vagas...
Minha barriga esvaziada...
Meu sonho apagado e uma névoa embaçando o horizonte!
Veio o fim da jornada... alucinações olfativas, viagens astrais, lágrimas e uma formatura!!
A volta por sobre as pegadas que deixei muito tempo antes...
Chegar à terra natal...
Sete corpos me esperavam na grande água...
Um olho tatuado na nuca...para não esquecer o passado e para me proteger da guilhotina no futuro!!!
BRUXA!!
- - -
Em 1997 eu era quase feliz!
Estudava. Trabalhava. Pensava que era Eu!
1997 passou por mim como grande pênis lubrificado...
Entrou, me iluminou e saiu rapidamente... Deixou muito prazer e audácia!
Foi o ano que me abriu as portas para o inferno de 1998...
Ahhhh que saudade de 97!!
Sem dores, medos ou culpas...
Ano de muita intensidade, alegria! Paixão!
Como era bom saber que todo o prazer do mundo cabia entre minha pernas...
Ahhhhhhh Eu era a dona da minha indecência rsrsrs
E como era bom...
No 31 de outubro de 1997 começou a sina de um ano que nunca termina...
Amanheci em abril de 1998 retalhada...
Dilacerada e sem nome para dar a essa dor...
Não há próximos passos...só um longo rastejar...
Como diria o jacaré de esgoto que mastiga humanos nas horas vagas...
Minha barriga esvaziada...
Meu sonho apagado e uma névoa embaçando o horizonte!
Veio o fim da jornada... alucinações olfativas, viagens astrais, lágrimas e uma formatura!!
A volta por sobre as pegadas que deixei muito tempo antes...
Chegar à terra natal...
Sete corpos me esperavam na grande água...
Um olho tatuado na nuca...para não esquecer o passado e para me proteger da guilhotina no futuro!!!
BRUXA!!
- - -
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Sabina Anzuategui
1997, para Julia
(texto pouco revisado)
Algumas semanas depois, chegou uma carta de quatro páginas que talvez tenha mudado minha vida.
Ou, pelo menos, me deu ânimo para sobreviver uns 4 anos.
Alguns trechos de seu texto claro:
DÚVIDA: Será que eu havia mencionado o concurso da USP? A frase é uma resposta ou uma premonição?
Depois, sobre a primeira versão de O meu conto feminista:
"Incrível este texto do ponto de vista de sondagem e de expressão de uma alma. A gente acompanha uma viagem dentro de um ser que procura reagir diante de uma situação externa que o afeta profundamente. O último parágrafo daria inveja a muitas escritoras."
Lembro de escrever esse conto com extrema dificuldade, errando muito a coerência dos tempos verbais, depois de quase dois anos sem escrever nada de literatura.
Era diretamente inspirado em Lo que queda enterrado, de Carmen Martín Gaite, que eu havia lido num curso de Literatura Espanhola na FFLCH (de uma professora ótima, cujo nome esqueci).
(texto pouco revisado)
Em 1997 eu não estava mais grávida, fui expulsa do apartamento de uma estudante de enfermagem apaixonada por um cara casado e com AIDS, aluguei uma kitchinete para dividir com minha amiga coreana, trabalhava seis horas por dia revisando a digitação de portarias e leis e decretos sobre comércio exterior, escrevi muito no primeiro semestre, depois as idéias secaram e escrevi menos.
Em junho mandei alguns contos para um ex-professor e editor, Jiro Takahashi. Era um último fio de esperança, depois de ser ignorada num concurso da USP, e ouvir de uma professora amiga que "simplesmente não entendia o propósito" deles.
Algumas semanas depois, chegou uma carta de quatro páginas que talvez tenha mudado minha vida.
Ou, pelo menos, me deu ânimo para sobreviver uns 4 anos.
Alguns trechos de seu texto claro:
"De um modo bem abrangente, genérico, acho que você propõe - pode até ser sem querer - um tipo de texto radicalmente feminino jovem. (...) Por outro lado, penso que essa perspectiva em que seus contos avançam dificilmente vai fazer você ganhar concursos literários mais ou menos convencionais (embora eu espere estar errado quanto a isso)."
DÚVIDA: Será que eu havia mencionado o concurso da USP? A frase é uma resposta ou uma premonição?
Depois, sobre a primeira versão de O meu conto feminista:
"Incrível este texto do ponto de vista de sondagem e de expressão de uma alma. A gente acompanha uma viagem dentro de um ser que procura reagir diante de uma situação externa que o afeta profundamente. O último parágrafo daria inveja a muitas escritoras."
Lembro de escrever esse conto com extrema dificuldade, errando muito a coerência dos tempos verbais, depois de quase dois anos sem escrever nada de literatura.
Era diretamente inspirado em Lo que queda enterrado, de Carmen Martín Gaite, que eu havia lido num curso de Literatura Espanhola na FFLCH (de uma professora ótima, cujo nome esqueci).
Tentei encontrar nos meus arquivos a primeira versão do conto. Reescrevi várias vezes o último parágrafo, que nunca me parecia bom. Finalmente ele apareceu em Calcinha no varal assim:
"Mas não fiz o conto, não nesse dia. Levou muito mais tempo pra eu entender o que havia acontecido."
Até onde posso confiar em minha própria organização, a primeira versão dizia:
"Mas não fiz o conto, não nesse dia. Levou muito mais tempo pra eu entender o que havia acontecido."
Até onde posso confiar em minha própria organização, a primeira versão dizia:
"Porque eu tinha que me libertar dele, por mais que doesse. O amor dele acabara e o meu, sozinho, só servia para me ferir. Me veio uma idéia, não lembro se foi ali, parada na janela, ou se foi depois quando fui ao banheiro e vi que a menstruação tinha descido: uma vontade de me reerguer, ser fria, forte, e escrever um conto feminista como as primeiras mulheres que lutaram sozinhas. Eu tive essa idéia e sentei de novo à máquina de escrever.
Mas não fiz o conto, não nesse dia. Demorou muito mais tempo pra eu entender: o que eu tinha feito da minha alma, eu mesma tinha feito."
Hoje acho muito estranho que eu tenha escrito "minha alma". Também me parece improvável que alguém elogiasse esse último parágrafo.
De todo modo (não percebi na época) a idéia de "me reerguer, ser fria, forte" é praticamente um resumo do último parágrafo de Perto do coração selvagem.
Hoje acho muito estranho que eu tenha escrito "minha alma". Também me parece improvável que alguém elogiasse esse último parágrafo.
De todo modo (não percebi na época) a idéia de "me reerguer, ser fria, forte" é praticamente um resumo do último parágrafo de Perto do coração selvagem.
- - -
terça-feira, 13 de julho de 2010
José Maia
onde estava em 1997 --- vivo entre os outros que foram sendo meus
em 1997 eu vivia no Porto
e todas as 4ªs feiras e ao fim de semana corria do centro do Porto para a Foz para ver mais um mar do mesmo oceano da Figueira da Foz e de Quiaios - falta de mar
durante a semana nas horas livres de aulas, dia, tarde e noite encontrava-me regularmente com a Cristina Regadas, o André Azevedo, a Joana Mesquita
dividia um apartamento com o Marco Mendes, o João de Braga,
e mais 2 que nunca estavam em casa.
em 1997, na FBAUP, nas aulas de Figura Humana conheci a S. Chiocca que de vez em quando soltava o seu grito de guerra "Está o máximo". nas aulas o número de intervalos foi aumentando até ao final do ano, bem como eram cada vez maiores.
por ela e com ela conheci o Rui, o Nuno Ramalho, João Sousa Cardoso, a Cecília Albuquerque, a Daniela Paes Leão e muitos outros amigos
nas aulas de pintura a Ana Ulisses e a Amélia Alexandre eram as únicas colegas com quem partilhava o meu prazer pela pintura da mesma forma que lamentava a pobreza que vivíamos entre os muros da instituição centenária...
com a Liliana Coutinho magicávamos o inter+disciplinar+idades na FBAUP que nos ligou a muitos amigos, tanto aos que referi anteriormente, como também aos Eduardo Matos, André Sousa, Mafalda Santos, Miguel Carneiro, Sílvia Castro, Jonathan Saldanha, Maria Mire, Miguel Cardoso, João Vladimiro,
quanto à música ela estava sempre presente e ligava-nos pela partilha ou ainda juntava-nos em espaços da ribeira para celebrar estarmos apenas ali uns com os outros tornando as relações mais intensas, fortes (muitas delas ainda duram)
a família foi crescendo e eu ganhei o título de Tio
que me dá um prazer enorme
os amigos da Terra (Quiaios + Figueira da Foz + Coimbra)
acompanhavam-me mais distantes mas sempre próximos
o cinema, o teatro e a dança eram obrigatórios, bem como as leituras individuais e colectivas nos cafés Ceuta e São Lázaro,
um paranoid android
mas isto é pouco para um ano que me mudou
OK isto é COMPUTER
o AMOR crescia em todas as direcções negro, sufocante, silenciosa e discretamente
No Surprises ... ( _____)
com os Radiohead a magoar os encontros felizes
um Karma Police
- - -
José Maia
Manuel Santos Maia
em 1997 eu vivia no Porto
e todas as 4ªs feiras e ao fim de semana corria do centro do Porto para a Foz para ver mais um mar do mesmo oceano da Figueira da Foz e de Quiaios - falta de mar
durante a semana nas horas livres de aulas, dia, tarde e noite encontrava-me regularmente com a Cristina Regadas, o André Azevedo, a Joana Mesquita
dividia um apartamento com o Marco Mendes, o João de Braga,
e mais 2 que nunca estavam em casa.
em 1997, na FBAUP, nas aulas de Figura Humana conheci a S. Chiocca que de vez em quando soltava o seu grito de guerra "Está o máximo". nas aulas o número de intervalos foi aumentando até ao final do ano, bem como eram cada vez maiores.
por ela e com ela conheci o Rui, o Nuno Ramalho, João Sousa Cardoso, a Cecília Albuquerque, a Daniela Paes Leão e muitos outros amigos
nas aulas de pintura a Ana Ulisses e a Amélia Alexandre eram as únicas colegas com quem partilhava o meu prazer pela pintura da mesma forma que lamentava a pobreza que vivíamos entre os muros da instituição centenária...
com a Liliana Coutinho magicávamos o inter+disciplinar+idades na FBAUP que nos ligou a muitos amigos, tanto aos que referi anteriormente, como também aos Eduardo Matos, André Sousa, Mafalda Santos, Miguel Carneiro, Sílvia Castro, Jonathan Saldanha, Maria Mire, Miguel Cardoso, João Vladimiro,
quanto à música ela estava sempre presente e ligava-nos pela partilha ou ainda juntava-nos em espaços da ribeira para celebrar estarmos apenas ali uns com os outros tornando as relações mais intensas, fortes (muitas delas ainda duram)
a família foi crescendo e eu ganhei o título de Tio
que me dá um prazer enorme
os amigos da Terra (Quiaios + Figueira da Foz + Coimbra)
acompanhavam-me mais distantes mas sempre próximos
o cinema, o teatro e a dança eram obrigatórios, bem como as leituras individuais e colectivas nos cafés Ceuta e São Lázaro,
um paranoid android
mas isto é pouco para um ano que me mudou
OK isto é COMPUTER
o AMOR crescia em todas as direcções negro, sufocante, silenciosa e discretamente
No Surprises ... ( _____)
com os Radiohead a magoar os encontros felizes
um Karma Police
- - -
José Maia
Manuel Santos Maia
domingo, 13 de junho de 2010
João Concha
pés descalços na cozinha da avó (que ainda era viva), preto-branco, frio no Verão, e um telefonema pendurado na expectativa.
"wait a minute. you come into my house, my party, to tell me about the future?"
a viagem era o milagre de não ter sítio para onde ir. acreditava eu que seria, que queria ser, cineasta. fazer filmes mesmo ...and the nights between.
as coisas não tinham mapa nem tinham que ter. sabia muito mais.
donnie darko. jackie brown. boogie nights.
e o desenho era um vício.
tínhamos ganho o prémio. viagem de amigos ao outro lado do mundo onde ainda morria o império a fingir que era nosso. península e duas ilhas.
geografia manipulada, mapas. filmes acreditava eu.
'I am 16 going on 17'
97 era redondo e novo. umas gárgulas que alguém emoldurou.
a morte sabia-me distraído. ela ficou. alguns morreram. umas coisas de que não me lembro. um ano para a mudança. etc.
estava longe.
uma língua a ensinar o truque (que eu já sabia) e um tempo em que estava realmente feliz. funny games.
ria muito, quase tanto como agora. não sabia nada.
posters e quartos e Beck e exames e amor e desenhos.
"He's my 17-year-old piece of gold."
não havia muito mais ou então não me lembro. a invenção toma conta das datas.
lembro-me da viagem, de como estava em casa. a oriente. de como era importante. um tufão (a sério).
e não pensava no futuro.
"this here's the future. videotape tells the truth."
1997 começava pelo fim, pela memória estragada de um ano como não poderia haver mais.
97 eram os acasos que (só) cabiam todos nesse número.

- - -
João Concha
"wait a minute. you come into my house, my party, to tell me about the future?"
a viagem era o milagre de não ter sítio para onde ir. acreditava eu que seria, que queria ser, cineasta. fazer filmes mesmo ...and the nights between.
as coisas não tinham mapa nem tinham que ter. sabia muito mais.
donnie darko. jackie brown. boogie nights.
e o desenho era um vício.
tínhamos ganho o prémio. viagem de amigos ao outro lado do mundo onde ainda morria o império a fingir que era nosso. península e duas ilhas.
geografia manipulada, mapas. filmes acreditava eu.
'I am 16 going on 17'
97 era redondo e novo. umas gárgulas que alguém emoldurou.
a morte sabia-me distraído. ela ficou. alguns morreram. umas coisas de que não me lembro. um ano para a mudança. etc.
estava longe.
uma língua a ensinar o truque (que eu já sabia) e um tempo em que estava realmente feliz. funny games.
ria muito, quase tanto como agora. não sabia nada.
posters e quartos e Beck e exames e amor e desenhos.
"He's my 17-year-old piece of gold."
não havia muito mais ou então não me lembro. a invenção toma conta das datas.
lembro-me da viagem, de como estava em casa. a oriente. de como era importante. um tufão (a sério).
e não pensava no futuro.
"this here's the future. videotape tells the truth."
1997 começava pelo fim, pela memória estragada de um ano como não poderia haver mais.
97 eram os acasos que (só) cabiam todos nesse número.

- - -
João Concha
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Sérgio Ferreira Mendes
Ponho o meu 1997 como uma personificação. Uma moça de vestido longo e xadrez preto-e-branco. Foi o ano em que entrei no colégio técnico cujo prédio hoje, é quase-centenário. Tinha seus longos corredores revestidos de ladrilhos hidráulicos pretos e brancos alternando-se a formar um extensíssimo tabuleiro de xadrez; pode ser que tenha sido um ano chave. Nele, livrei-me do fantasma agourento que tinha sido o ginásio, apagando o passado como se nunca houvera (erro, pois o passado jamais se apaga e reaparece nos momentos menos desejáveis).
Ano em que conheci gente nova e dela ainda carrego parte comigo. Tive um professor de Desenho técnico que fedia cigarro e naquele tempo feliz ainda se podia fumar nos corredores. Ano cansado de, pela primeira vez na vida, acordar antes do sol e pegar condução; afinal, valia a pena, era um colégio técnico; de dormir em colchonetes durante a aula de Educação Física enquanto os rapazes matavam-se por uma bola de futebol. Tempo de acostumar-se à sisudez neoclássica do prédio, aos seus espaços amplos, ao pé-direito titânico e aos janelões sem cortina que valeram meio corpo queimado de sol. O inverno particularmente frio, o homem que aparecia no ônibus pela manhã, sempre imerso na própria fedentina, o cobrador que me acordava quando o ônibus chegava ao ponto final.
Pelo meio do ano apareceu-me um amor platônico que duraria três anos e meio e se visse a moça hoje, talvez não a reconhecesse porque a memória nos traí e ela continua com a mesma face de há tantos anos. E com um longo vestido xadrez.
Ano em que conheci gente nova e dela ainda carrego parte comigo. Tive um professor de Desenho técnico que fedia cigarro e naquele tempo feliz ainda se podia fumar nos corredores. Ano cansado de, pela primeira vez na vida, acordar antes do sol e pegar condução; afinal, valia a pena, era um colégio técnico; de dormir em colchonetes durante a aula de Educação Física enquanto os rapazes matavam-se por uma bola de futebol. Tempo de acostumar-se à sisudez neoclássica do prédio, aos seus espaços amplos, ao pé-direito titânico e aos janelões sem cortina que valeram meio corpo queimado de sol. O inverno particularmente frio, o homem que aparecia no ônibus pela manhã, sempre imerso na própria fedentina, o cobrador que me acordava quando o ônibus chegava ao ponto final.
Pelo meio do ano apareceu-me um amor platônico que duraria três anos e meio e se visse a moça hoje, talvez não a reconhecesse porque a memória nos traí e ela continua com a mesma face de há tantos anos. E com um longo vestido xadrez.
- - -
Sérgio Ferreira Mendes
Hugo Lima
SOBRE UM ANTIGO POEMA DE ABRIL
chovia
e, sobre o papel, as palavras dançavam.
era 1997 e
eu mal conseguia escrever.
o fato é que a gente escreve sobre o tempo
sem se dar conta do que é o tempo
e tudo fica tão complexo quanto.
mas eu me lembro bem.
eu ainda tinha pai, mãe, irmãos,
tios, avós, primos,
passarinhos na gaiola e
caixinha de brinquedos.
de todos os anos, eu só tinha 10
e me inventava o tempo todo
e me esquecia logo depois
e eu queria ser o grande herói da ciência
e já colecionava quadros negros
e já brincava de escolinha.
verdade é que os anos escolares iniciaram-se praticamente ali.
eu acordava de repente e “pluft”: me entendia por gente.
e era assim todas as manhãs,
um personagem pra cada dia.
///
naquele tempo, eu me disfarçava sob longos cabelos castanhos
tão encaracolados quanto os que o Roberto cantou
e debaixo dos caracóis, mais de mil histórias,
mais de mil segredos,
quase nenhum amor.
eu mal podia esperar pelos anos seguintes.
nada era vindouro. tudo era aqui e agora.
tinha desejos de menino, vontades de menina
e um vinil do Caetano.
eu falei da infância porque a vida ainda não fazia sentido.
é meio como as palavras: só fazem sentido com o tempo.
o fato é que a gente fala sobre a infância
sem se dar conta do que é a infância
e tudo fica tão complexo quanto.
///
em 1997 eu li Monteiro Lobato,
visitei – pela primeira vez – um sítio,
me perdi no pomar
(mas me lembro bem do cheiro do laranjal)
eu brincava com a terra
e a terra brincava com meu corpo
como se tudo fosse uma matéria só
(e ao mesmo tempo não fosse)
toquei bananeiras, subi nas mangueiras
palmeiras gigantes
aves que aqui gorjeiam
o canto de um Sabiá
um rio cortando a alma
atravessando o jardim.
era tarde, em 1997 eu descobri o quintal
e dali eu desenhava o céu.
não sei se ainda chovia,
mas era abril.
tinha nuvens
e um aquário cheio de peixes
e um peixe cheio de asas
e uma casa maior que o mundo.
a verdade é que a gente conta os sonhos
sem se dar conta do que é um sonho
e tudo fica tão complexo quanto.
era 1997
e eu me deitava na grama.
pensava nos barquinhos de papel
pensava nas palavras dançando na chuva
pensava no poema tomando (o) corpo
e as pipas coloridas ao longe
deixavam o céu como eu ainda vejo hoje.
a propósito, uma rosa é uma rosa
é uma cor é um azul é pau é pedra
é o fim do caminho...
///
voltando pra casa,
pensava no que contar quando voltassem as aulas,
pensava no que escrever quando me inventassem as linhas.
“eu não sou Deus e não escrevo torto.”
foi assim que comecei a história.
o fato é que a gente lembra da história
sem se dar conta do que é a história
e tudo fica tão complexo quanto.
não sei, só sei que foi assim. fim que foi.
aqui, o ano se acabou.
aqui, o ano acabado.
aqui o ano acaba.
era abril,
em 1997.
- - -
Hugo Lima
chovia
e, sobre o papel, as palavras dançavam.
era 1997 e
eu mal conseguia escrever.
o fato é que a gente escreve sobre o tempo
sem se dar conta do que é o tempo
e tudo fica tão complexo quanto.
mas eu me lembro bem.
eu ainda tinha pai, mãe, irmãos,
tios, avós, primos,
passarinhos na gaiola e
caixinha de brinquedos.
de todos os anos, eu só tinha 10
e me inventava o tempo todo
e me esquecia logo depois
e eu queria ser o grande herói da ciência
e já colecionava quadros negros
e já brincava de escolinha.
verdade é que os anos escolares iniciaram-se praticamente ali.
eu acordava de repente e “pluft”: me entendia por gente.
e era assim todas as manhãs,
um personagem pra cada dia.
///
naquele tempo, eu me disfarçava sob longos cabelos castanhos
tão encaracolados quanto os que o Roberto cantou
e debaixo dos caracóis, mais de mil histórias,
mais de mil segredos,
quase nenhum amor.
eu mal podia esperar pelos anos seguintes.
nada era vindouro. tudo era aqui e agora.
tinha desejos de menino, vontades de menina
e um vinil do Caetano.
eu falei da infância porque a vida ainda não fazia sentido.
é meio como as palavras: só fazem sentido com o tempo.
o fato é que a gente fala sobre a infância
sem se dar conta do que é a infância
e tudo fica tão complexo quanto.
///
em 1997 eu li Monteiro Lobato,
visitei – pela primeira vez – um sítio,
me perdi no pomar
(mas me lembro bem do cheiro do laranjal)
eu brincava com a terra
e a terra brincava com meu corpo
como se tudo fosse uma matéria só
(e ao mesmo tempo não fosse)
toquei bananeiras, subi nas mangueiras
palmeiras gigantes
aves que aqui gorjeiam
o canto de um Sabiá
um rio cortando a alma
atravessando o jardim.
era tarde, em 1997 eu descobri o quintal
e dali eu desenhava o céu.
não sei se ainda chovia,
mas era abril.
tinha nuvens
e um aquário cheio de peixes
e um peixe cheio de asas
e uma casa maior que o mundo.
a verdade é que a gente conta os sonhos
sem se dar conta do que é um sonho
e tudo fica tão complexo quanto.
era 1997
e eu me deitava na grama.
pensava nos barquinhos de papel
pensava nas palavras dançando na chuva
pensava no poema tomando (o) corpo
e as pipas coloridas ao longe
deixavam o céu como eu ainda vejo hoje.
a propósito, uma rosa é uma rosa
é uma cor é um azul é pau é pedra
é o fim do caminho...
///
voltando pra casa,
pensava no que contar quando voltassem as aulas,
pensava no que escrever quando me inventassem as linhas.
“eu não sou Deus e não escrevo torto.”
foi assim que comecei a história.
o fato é que a gente lembra da história
sem se dar conta do que é a história
e tudo fica tão complexo quanto.
não sei, só sei que foi assim. fim que foi.
aqui, o ano se acabou.
aqui, o ano acabado.
aqui o ano acaba.
era abril,
em 1997.
- - -
Hugo Lima
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Flavio
1997 foi para mim o ano da abertura.
Até então eu era só um menino. Era um menino feliz, diga-se, feliz e interessado pelas coisas, confortado por um núcleo familiar sólido. Não conhecia a tristeza e tampouco conhecia sua irmã menor, a melancolia.
Mas foi o ano da abertura porque, olhando para o começo e o fim de 1997, isso se revela.
Na primeira hora de 1997 fiz algo que nunca havia feito e nunca mais fiz. Estava em Punta del Este com meus pais, apenas nós três. Jantamos e depois voltamos ao hotel, eles foram dormir, eu me recolhi em meu quarto. Pensei, resignado, que era 1h da manhã e eu já estava de volta ao quarto, enquanto o mundo comemorava a virada. Então escrevi em um pedaço de papel, "1 de janeiro de 1997 - 01h00", fui à frente do espelho e tirei uma foto, sorrindo, ostentando a folha em frente a mim.
Lá para novembro, fumei maconha. Foi um divisor de águas, sem dúvida. Se bem me lembro, nunca havia sequer ficado bêbado. Meus amigos mais próximos tinham começado a fumar maconha no início do ano, e para mim aquilo era estranho, então eu não comecei junto com eles. Quando resolvi que queria mesmo experimentar, já estava livre dos meus próprios estranhamentos e preconceitos. Então topei o convite para um encontro no apartamento de um amigo, seus pais estavam viajando. Ao chegar lá, todos já haviam fumado e estavam encenando uma peça, ou coisa do tipo. Me falaram que, como era minha primeira vez, não deveria esperar muita coisa. A tendência era que nada acontecesse. Mas eu estava tão determinando que peguei um baseado só para mim (estava já pronto, enrolado em seda roxa). Os amigos foram à cozinha e eu, na sala, comecei a fumar. E fumei, fumei, fumei, fumei, fumei. Quando eles voltaram, perguntaram se eu estava sentindo alguma coisa, aí então eu disse "não sei" e, logo em seguida, plim. Desatei a rir.
Naquele exato instante começou muita coisa. Durante toda a noite e madrugada vivi coisas incríveis, acessei lugares da minha infância remota, percebi meu corpo de outra forma, perdi deliciosamente a noção de tempo, rolei, dancei, escutei música como nunca antes, dei muita risada. Percebi ali que as portas do mistério se abriam para mim. Tudo era mais do que parecia, tudo era amplo e rico, cheio de novidades. Começou ali uma nova fase da vida, o gosto pelo indefinido, pelo incerto, pelo devaneio. Começou ali meu verdadeiro apreço pela liberdade.
No final do ano de 1997 viajei para a Inglaterra, para um intercâmbio de 3 meses. No dia 31 de dezembro estava cercado de amigos recém-conhecidos, mergulhado na avenida principal de Paris, entregue à vida. Não era mais apenas um menino, embora ainda fosse feliz e interessado pelas coisas. A tristeza e sua irmã menor, a melancolia, só fui conhecer muitos anos depois. Assim como sua irmã maior, a paixão, todas filhas da liberdade.
- - -
Até então eu era só um menino. Era um menino feliz, diga-se, feliz e interessado pelas coisas, confortado por um núcleo familiar sólido. Não conhecia a tristeza e tampouco conhecia sua irmã menor, a melancolia.
Mas foi o ano da abertura porque, olhando para o começo e o fim de 1997, isso se revela.
Na primeira hora de 1997 fiz algo que nunca havia feito e nunca mais fiz. Estava em Punta del Este com meus pais, apenas nós três. Jantamos e depois voltamos ao hotel, eles foram dormir, eu me recolhi em meu quarto. Pensei, resignado, que era 1h da manhã e eu já estava de volta ao quarto, enquanto o mundo comemorava a virada. Então escrevi em um pedaço de papel, "1 de janeiro de 1997 - 01h00", fui à frente do espelho e tirei uma foto, sorrindo, ostentando a folha em frente a mim.
Lá para novembro, fumei maconha. Foi um divisor de águas, sem dúvida. Se bem me lembro, nunca havia sequer ficado bêbado. Meus amigos mais próximos tinham começado a fumar maconha no início do ano, e para mim aquilo era estranho, então eu não comecei junto com eles. Quando resolvi que queria mesmo experimentar, já estava livre dos meus próprios estranhamentos e preconceitos. Então topei o convite para um encontro no apartamento de um amigo, seus pais estavam viajando. Ao chegar lá, todos já haviam fumado e estavam encenando uma peça, ou coisa do tipo. Me falaram que, como era minha primeira vez, não deveria esperar muita coisa. A tendência era que nada acontecesse. Mas eu estava tão determinando que peguei um baseado só para mim (estava já pronto, enrolado em seda roxa). Os amigos foram à cozinha e eu, na sala, comecei a fumar. E fumei, fumei, fumei, fumei, fumei. Quando eles voltaram, perguntaram se eu estava sentindo alguma coisa, aí então eu disse "não sei" e, logo em seguida, plim. Desatei a rir.
Naquele exato instante começou muita coisa. Durante toda a noite e madrugada vivi coisas incríveis, acessei lugares da minha infância remota, percebi meu corpo de outra forma, perdi deliciosamente a noção de tempo, rolei, dancei, escutei música como nunca antes, dei muita risada. Percebi ali que as portas do mistério se abriam para mim. Tudo era mais do que parecia, tudo era amplo e rico, cheio de novidades. Começou ali uma nova fase da vida, o gosto pelo indefinido, pelo incerto, pelo devaneio. Começou ali meu verdadeiro apreço pela liberdade.
No final do ano de 1997 viajei para a Inglaterra, para um intercâmbio de 3 meses. No dia 31 de dezembro estava cercado de amigos recém-conhecidos, mergulhado na avenida principal de Paris, entregue à vida. Não era mais apenas um menino, embora ainda fosse feliz e interessado pelas coisas. A tristeza e sua irmã menor, a melancolia, só fui conhecer muitos anos depois. Assim como sua irmã maior, a paixão, todas filhas da liberdade.
- - -
domingo, 6 de junho de 2010
júlia hansen
adendo importante ao meu 1997, lá está no primeiro post deste blogue, mas não posso lembrando não dizer que tinha até coreografia pra essa c'oas amiga. e considerava a letra cheia de ditos, muitas sabedorias.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Bruno de Abreu
(baby, por gal costa)
pés
lembrar das noites frias nos pés descalços
- a meia na gaveta, os tacos ameaçando
estrepes. lembrar
da porta de correr
da varanda refletindo a cidade
em constelação
nos móveis da sala
e de djavan toda manhã
pedindo a são jorge o dragão
até enjoar
não conhecia
a carolina, nem sabia
o que se entende por uma
honey baby
barriga no chão pra desenhar qualquer
abstração do que já entendia sobre estar
vivo. os sulfites preenchidos
em tempo recorde
até que a barriga doesse de tanto desenho, cor-de-rosa
de tanto chão
então vinha a fome, e eu lavava as mãos
com um sorriso no rosto
Em 97 eu tinha quatro anos. Lembro que minha mãe gostava muito de gal costa, zizi possi e djavan, e era música o dia inteiro, o que enchia o saco às vezes. Na época, porém, encher o saco era algo tolerável. Nas minhas manhãs e noites - à tarde tinha escola - eu ficava rabiscando papéis no chão, brincando de power rangers, fazendo shows de música pra lá de agitados com meu pai, realizando mágicas com canudos, ganhando medalhas etc etc etc. Além disso, eu me escandalizava um pouco com pessoas que confundiam tigres com onças. Tive várias paixões.
lembrar das noites frias nos pés descalços
- a meia na gaveta, os tacos ameaçando
estrepes. lembrar
da porta de correr
da varanda refletindo a cidade
em constelação
nos móveis da sala
e de djavan toda manhã
pedindo a são jorge o dragão
até enjoar
não conhecia
a carolina, nem sabia
o que se entende por uma
honey baby
barriga no chão pra desenhar qualquer
abstração do que já entendia sobre estar
vivo. os sulfites preenchidos
em tempo recorde
até que a barriga doesse de tanto desenho, cor-de-rosa
de tanto chão
então vinha a fome, e eu lavava as mãos
com um sorriso no rosto
Em 97 eu tinha quatro anos. Lembro que minha mãe gostava muito de gal costa, zizi possi e djavan, e era música o dia inteiro, o que enchia o saco às vezes. Na época, porém, encher o saco era algo tolerável. Nas minhas manhãs e noites - à tarde tinha escola - eu ficava rabiscando papéis no chão, brincando de power rangers, fazendo shows de música pra lá de agitados com meu pai, realizando mágicas com canudos, ganhando medalhas etc etc etc. Além disso, eu me escandalizava um pouco com pessoas que confundiam tigres com onças. Tive várias paixões.
- - -
Bruno de Abreu
terça-feira, 1 de junho de 2010
Felipe Arruda
me apaixonei pela primeira vez em 1997.
e eu cantava um versinho bobo pensando nela,
I had a match
but she had a lighter
I had a flame
but she had a fire
I was bright
but she was much brighter
I has high
but she was the sky...
(Cake)
- - -
Felipe Arruda
e eu cantava um versinho bobo pensando nela,
I had a match
but she had a lighter
I had a flame
but she had a fire
I was bright
but she was much brighter
I has high
but she was the sky...
(Cake)
- - -
Felipe Arruda
terça-feira, 25 de maio de 2010
Arturo
Às vezes sinto a violência de um tiro na cabeça ao olhar para uma folha em branco, por muito tempo escrevi a máquina como quem maneja um revólver, não que eu o desejasse assim, como se escrever fosse a morte; olhar para uma folha em branco me causa toda brutalidade deste gesto indiferente a tudo em minha volta, não que eu fosse capaz de realizá-lo, mas em 1997 eu o fiz, inúmeras vezes, sem contudo escrever uma única palavra. A escrita ainda não participava deste jogo insano. Ao menos tal como ela escrita em palavras derramadas – e quase escrevi desarmadas – numa extensão de frases sobre a página. A esta altura de minha vida eu gozava um certo cimo de dor e desencanto, a solidão narcótica era o rasgo por onde, ainda, alguma coisa podia me encontrar proveniente de uma origem que eu, então, ignorava. Era ainda o meu começo, a ilusão desastrosa de que algo podia restar abaixo de um céu que passa. A fonte dos dias não trazia testemunhas, a sua claridade sobre as folhas era igual à imensidão ferrosa que vinha recobrir a tudo de névoas mal despidas. Eu não lamentava a minha solidão, adentrava, desajeitado, no arsenal de falhas que viriam raiar na palavra desmedida... Adentrei-a o quanto pude, esgotei todo sangue que pude resguardar. Nesta insanidade conservada em poças, o torpor desfigurado arrastava as cadeiras próximas, meus olhos reviravam na cova de minhas mãos – mão e olho insensíveis às trocas do universo. Nesta absurda imensidão dormi num corpo amansado pelo tédio, éramos vazios eu e eu em um corpo duplamente enfermo. Havia momentos de prazer, todos eles, um deleitar sangüíneo e frio que amamentava as nuvens, fazia chover no rosto apaixonado... Eu sorria, acreditava que a fonte seca poderia, então, seduzir a pedra. Eu era uma contemplação de poças, uma aproximação sem ritmo e as minhas alucinações eram aquelas, suponho, do feto abortado por um relâmpago no tempo. Então, fui parturiente em meu cadáver, parturiente de mim mesmo. Tinha de parir um deus para que morresse novamente e ressurgisse na solidão que roda, uma primeira testemunha. Era claro como minhas dívidas não haviam tocado a imensidão perdida nas partes de meu corpo, a planta de meus pés era uma raiz que ria da desordem, meu riso era a roda de lábios num moinho turvo; eu mergulhava sem contar os passos, eu era esta fissura que perdeu seu nome ao limiar. Colocava os riscos e desenhava do outro lado das janelas, onde o hálito cumpria seu destino de apagar. Nas portas de um asilo em que amigos loucos regressavam eu queria então morar, eternamente sobre o campo. Descalço, acariciando o chão, dormindo naufragado em orações que desprendiam da lâmpada acesa e apagada, minha cama no alto de uma depressão solar, as florestas da infância revividas no enforcado... naquele homem lindo que desejou tocar a terra e desejou dormir cercado pelo nunca. Cajado em punho, esta terceira sombra então caminhava a sua frente, misturava-se a tudo aquilo de que então não se podia despedir.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Laura w.r.
Estava no terceiro colegial, tinha 17 anos. Pintava os cabelos de cor vemelho extra vermelho e os lençóis da casa da minha mãe viviam manchados.
Nessa época estava próxima do budismo e namorava um cara que era filho de um monge. Nós usávamos o papel de seda que decorava o templo para fazer baseados.
Não entendia nada de nada. Tocava Beatles e Cranberries no violão para aliviar o desespero.
No fim do ano, viajei com a escola para Porto Seguro, viagem de formatura. Passava os dias dormindo e de noite ficava acordada, para a infelicidade de minhas colegas de quarto. Um dia na viagem comprei um caranguejo gigante, vivo, enfiei numa sacolinha e levei para o hotel. Quando cheguei no quarto, o acomodei no cofre, que era acarpetado. Quase fui expulsa do quarto.
Prestei vestibular para jornalismo, ecologia e veterinária. Lembro de ter levado diversos amuletos para a prova: um et de borracha, dois caracóis de algum material que não me lembro.
Agradeço aos amuletos e a todas as luzes que me trouxeram dos tumultuados 17 até os atuais 30 anos.
laura w. r.
Nessa época estava próxima do budismo e namorava um cara que era filho de um monge. Nós usávamos o papel de seda que decorava o templo para fazer baseados.
Não entendia nada de nada. Tocava Beatles e Cranberries no violão para aliviar o desespero.
No fim do ano, viajei com a escola para Porto Seguro, viagem de formatura. Passava os dias dormindo e de noite ficava acordada, para a infelicidade de minhas colegas de quarto. Um dia na viagem comprei um caranguejo gigante, vivo, enfiei numa sacolinha e levei para o hotel. Quando cheguei no quarto, o acomodei no cofre, que era acarpetado. Quase fui expulsa do quarto.
Prestei vestibular para jornalismo, ecologia e veterinária. Lembro de ter levado diversos amuletos para a prova: um et de borracha, dois caracóis de algum material que não me lembro.
Agradeço aos amuletos e a todas as luzes que me trouxeram dos tumultuados 17 até os atuais 30 anos.
laura w. r.
- - -
Laura w. r.
domingo, 23 de maio de 2010
gUi mohallem
97 foi possivelmente o ano mais importante, o mais sofrido e o mais feliz da minha vida.
tinha vivido os meus quase 18 anos numa cidade do interior de Minas, de 80 mil habitantes. Em março daquele ano embarcaria numa viagem que mudaria tudo.
Fui morar em Perth, na Austrália. A capital mais isolada do mundo.
Pela primeira vez viajando de avião, longe da família, longe de qualquer pessoa que conhecesse meus pais ou meus muitos irmãos, foi a primeira vez que conheci quem eu era e vislumbrei quem eu queria ser.
Tive tempo e espaço pra me inventar.
Fiz grandes amigos das partes mais distantes do planeta, muitos eu acabei reencontrando depois.
Fiz teatro, fiz artes na escola, dirigi meu primeiro documentário, ganhei minha primeira máquina fotográfica.
Pela primeira vez entendi e disse pra mim mesmo que era gay.
97 eu saí do casulo. 97 foi a semente de tudo.
- - -
gUi mohallem
tinha vivido os meus quase 18 anos numa cidade do interior de Minas, de 80 mil habitantes. Em março daquele ano embarcaria numa viagem que mudaria tudo.
Fui morar em Perth, na Austrália. A capital mais isolada do mundo.
Pela primeira vez viajando de avião, longe da família, longe de qualquer pessoa que conhecesse meus pais ou meus muitos irmãos, foi a primeira vez que conheci quem eu era e vislumbrei quem eu queria ser.
Tive tempo e espaço pra me inventar.
Fiz grandes amigos das partes mais distantes do planeta, muitos eu acabei reencontrando depois.
Fiz teatro, fiz artes na escola, dirigi meu primeiro documentário, ganhei minha primeira máquina fotográfica.
Pela primeira vez entendi e disse pra mim mesmo que era gay.
97 eu saí do casulo. 97 foi a semente de tudo.
- - -
gUi mohallem
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Breno Caio
meu 1997 está entre 1996 e 1998.
em 1996 tentei me matar e passei um mês num hospício.
em 1998 fiz minha primeira tatuagem.
1996 foi minha saída definitiva do inferno. 1998 foi minha entrada permanente no paraíso. 1997 não passou de um purgatório irrelevante e esquecível.
sobrou pouquíssimo daquela época.
eu ouvia muito (e ainda ouço) isto aqui:
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Kellen Gutierres
em 1997 eu fazia cursinho. ia para a aula na rua sergipe, todos os dias, o ritmo era intenso e eu achava aquilo tudo muito chato, tinha pavor de não passar no vestibular e ter que ouvir todas aquelas mesmas piadas de novo.
três semanas antes da inscrição na fuvest eu não sabia qual curso prestar. então conversei com meu professor de história geral, disse a ele que gostava de história e política, mas não tinha vontade de cursar história. ele me emprestou o manifesto comunista - que eu li, mas não entendi patavina - me contou o que era ciências sociais (mas eu também não entendi muito bem) e disse que achava esse o curso ideal para mim. então me decidi meio no escuro: ciências sociais. acho que foi bom, porque continuo querendo estudar sociologia treze anos depois.
no segundo semestre, o namoro com o primeiro grande amor acabou. eu sofri um pouco, mas hoje arrisco que talvez já quisesse mesmo me desvencilhar e experimentar outros gostos.
nos últimos meses do ano, a expectativa toda era o resultado do vestibular, mas passei muito bem na primeira fase, então na virada para 1998 estava tranquila, a probabilidade de ingressar era bem grande. e assim foi.
por fim, lembrar-me de 1997 me fez pensar que se passariam exatos dez anos até eu conhecer o lixandre. e você tem razão, ju: calma que a vida acontece e transborda.
três semanas antes da inscrição na fuvest eu não sabia qual curso prestar. então conversei com meu professor de história geral, disse a ele que gostava de história e política, mas não tinha vontade de cursar história. ele me emprestou o manifesto comunista - que eu li, mas não entendi patavina - me contou o que era ciências sociais (mas eu também não entendi muito bem) e disse que achava esse o curso ideal para mim. então me decidi meio no escuro: ciências sociais. acho que foi bom, porque continuo querendo estudar sociologia treze anos depois.
no segundo semestre, o namoro com o primeiro grande amor acabou. eu sofri um pouco, mas hoje arrisco que talvez já quisesse mesmo me desvencilhar e experimentar outros gostos.
nos últimos meses do ano, a expectativa toda era o resultado do vestibular, mas passei muito bem na primeira fase, então na virada para 1998 estava tranquila, a probabilidade de ingressar era bem grande. e assim foi.
por fim, lembrar-me de 1997 me fez pensar que se passariam exatos dez anos até eu conhecer o lixandre. e você tem razão, ju: calma que a vida acontece e transborda.
Lucy Lima
Em 1997 eu tinha 13 anos. Uma cabeça bagunçada, um corpo sofrido e com muitas responsabilidades. Na época morava na casa da minha mãe, com minhas duas irmãs e meu padrasto - quem não me negava pancada. Era muito religiosa, acreditava piamente em Deus, achava que ele se vingava de mim, mas poderia vingar-se em meu lugar.
Foi um ano marcante, decidi que não seria mais nerd. Faria parte da turma do terror: as Poderosas. Esse era o nome da turminha do barulho. Jú Biscoito, Jú Baby, Fabi, Ruth e eu. Achávamos que pixar, fumar escondido, destratar pessoas em público, desafiar os professores, dar selinho na frente de todos da escola era pura revolução e marca de autenticidade. O meu projeto era a popularidade e o respeito da galera. Queríamos formar um grupo de samba. Cheguei escrever algumas letras. Mas nada saiu do projeto.
Minha mãe e meu padrasto estavam desempregados. Comíamos o que recebíamos de doação da família. As roupas que usávamos tinham a mesma fonte. Quem cuidava das minhas irmãs era eu. Uma tinha 2 anos e a outra 7. “Minhas crias”. Além disso, tinha de cuidar de toda a casa. Minha mãe estava em depressão e meu padrasto só colaborava com as críticas e perseguições.
Eu era muito gostosa nesta idade. Quem me assediava eu não queria, a maioria maloqueiros das bocas de fumo. Muita adrenalina. Foi o ano do meu primeiro beijo na boca e a primeira vez que refleti sobre a possibilidade de ser bissexual.
Lia escondido. Meu padrasto nos forçava ir dormir muito cedo, eu pegava um livro e colocava embaixo das cobertas. Quando ele ia ouvir rádio em seu quarto, eu lia com a luz que entrava pela janela. Na época lia qualquer coisa que chegasse a minhas mãos.
Também foi o ano que tive aula com o Professor Agnaldo. Lindo, inteligente, sensível, romântico e um negão muito do gostoso. Dizia que eu tinha muito potencial. Deveria deixar de me dedicar à bagunça e procurar ser mais de acordo com minha essência. Como não sabia como era essa tal essência disse a ele que procuraria independente do tempo que pudesse levar. Lembro deste professor com muito carinho, ele parecia entender o que eu estava passando. Seus olhos brilhavam ao ler uma poesia.
O futuro desta época foi diferente do que imaginava. Como hoje muitas coisas já são passado, sei que extrapolei o que foi previsto para mim. Muito estranho rememorar...
- - -
Lucy Lima
Foi um ano marcante, decidi que não seria mais nerd. Faria parte da turma do terror: as Poderosas. Esse era o nome da turminha do barulho. Jú Biscoito, Jú Baby, Fabi, Ruth e eu. Achávamos que pixar, fumar escondido, destratar pessoas em público, desafiar os professores, dar selinho na frente de todos da escola era pura revolução e marca de autenticidade. O meu projeto era a popularidade e o respeito da galera. Queríamos formar um grupo de samba. Cheguei escrever algumas letras. Mas nada saiu do projeto.
Minha mãe e meu padrasto estavam desempregados. Comíamos o que recebíamos de doação da família. As roupas que usávamos tinham a mesma fonte. Quem cuidava das minhas irmãs era eu. Uma tinha 2 anos e a outra 7. “Minhas crias”. Além disso, tinha de cuidar de toda a casa. Minha mãe estava em depressão e meu padrasto só colaborava com as críticas e perseguições.
Eu era muito gostosa nesta idade. Quem me assediava eu não queria, a maioria maloqueiros das bocas de fumo. Muita adrenalina. Foi o ano do meu primeiro beijo na boca e a primeira vez que refleti sobre a possibilidade de ser bissexual.
Lia escondido. Meu padrasto nos forçava ir dormir muito cedo, eu pegava um livro e colocava embaixo das cobertas. Quando ele ia ouvir rádio em seu quarto, eu lia com a luz que entrava pela janela. Na época lia qualquer coisa que chegasse a minhas mãos.
Também foi o ano que tive aula com o Professor Agnaldo. Lindo, inteligente, sensível, romântico e um negão muito do gostoso. Dizia que eu tinha muito potencial. Deveria deixar de me dedicar à bagunça e procurar ser mais de acordo com minha essência. Como não sabia como era essa tal essência disse a ele que procuraria independente do tempo que pudesse levar. Lembro deste professor com muito carinho, ele parecia entender o que eu estava passando. Seus olhos brilhavam ao ler uma poesia.
O futuro desta época foi diferente do que imaginava. Como hoje muitas coisas já são passado, sei que extrapolei o que foi previsto para mim. Muito estranho rememorar...
- - -
Lucy Lima
Nuno Ramalho
júlia, sobre 1997:
ainda existiam pessoas que pensavam que eu era uma gaja (dava jeito para entrar em certas discos sem pagar, ou usar os WC das mulheres para desenrascar).
beijos,
n
ainda existiam pessoas que pensavam que eu era uma gaja (dava jeito para entrar em certas discos sem pagar, ou usar os WC das mulheres para desenrascar).
beijos,
n
- - -
Nuno Ramalho
Ana Pi
em 97 tinha dez anos, vivia com piolhos que transitavam em alternância entre a sua cabeça e a de seu pai, que a buscava a cada fim de semana para assistir filmes de arte no antigo cinema nazaré da rua guajajaras em belo horizonte, a única vez que ousaram assistir algo mais pop, titanic, acabaram mudando de escolha e viram amistad, pois a sessão estava lotada.
tinha duas fixações, seu super patins roler com rodinhas de poliuretano e fazer 'cosquinhas' na barriga da sua mãe que estava grávida do seu irmão mais novo, gabriel, cujo nome, ana, que ainda era 'ana carolina moura de oliveira', escolheu em acordo com seu padrasto. sua grande amiga era a junia, a moça quem cuidava dela, suas diversões juntas eram fazer salada de carambola, cortar estrelinhas, e ligar para a rádio e oferecer música uma à outra, até o dia em que junia a ofereceu 'brucutu' de roberto carlos e esta seria imbatível, virou hit
nesta época ia de ônibus sozinha para a escola, estava na quarta série e estudava numa escola publica no bairro eldorado, mas já tinha se mudado para o barreiro, sempre mudava, sempre. a independência começava, mas nem tanto, um dia sua mãe pediu para que ela comprasse alface no sacolão, mas ela trouxe repolho, tirando isso adorava fazer o percurso tocando as campainhas dos vizinhos. e gostava de quando vizinhos novos se mudavam para o condomínio para junto com luiza [sua primeira melhor amiga da vida] aproveitarem o papelão para escorregar na grama inclinada que havia entre um bloco de prédios e outro.
um dia carol [uma outra amiga] a aterrorizou profundamente dizendo que quando o gabriel nascesse sua vida seria um inferno e que sua mãe se esqueceria dela, mas ana nem 'tchum' até quando ele realmente nasceu, ela pegou catapora e foi mandada uma semana ou mais para casa da sua tia tidinha que a mergulhava em banhos com um pozinho roxo e pasta d'água depois.
nesse ano fez onze anos, ia se mudar para o colégio católico particular do novo bairro e estava ultra animada, sua mãe continuou não passando nos infinitos exames de direção, seu padrasto atropelou um cachorro e ela teve toda a raiva do mundo por causa disso, uma chuva fez desmoronar a grama inclinada do condomínio, ela caiu de barriga quando andava de patins de costas e o seu pai roncou muito no outro filme pop que eles tentaram assistir que ela nem pôde se concentrar.
começou a gostar de tarô e das pedras semi-preciosas do brasil graças à sara, a cabeleireira da sua mãe na época, ana fez relaxamento no cabelo e seu pai ficou decepcionado. seus pais brigavam sempre, ana planejava estratégias minuciosas de evitar as brigas, um dia disse à sua mãe que queria morrer e sua mãe a colocou de castigo.
fez também ginástica olímpica neste ano com um professor histérico, tentou participar do coral da igreja, ideia da mãe da luiza, não durou nem dois domingos.
tentou fumar e não conseguiu, se viciou em cachorro-quente. frequentava as festas da turma de mestrado da sua mãe e odiava caetano veloso, pintou junto com o seu pai uma tela à óleo que integrou a primeira exposição individual dele na biblioteca publica perto da praça da liberdade, seu irmão foi e todos diziam que ele era filho do chico césar por causa do seu cabelo no meio, era engraçado, ana amava o cd aos vivos do chico césar, havia cd nessa época, isso era incrível.
gostava dos trovões nas chuvas do barreiro e queria muito ter um cachorro.
tinha duas fixações, seu super patins roler com rodinhas de poliuretano e fazer 'cosquinhas' na barriga da sua mãe que estava grávida do seu irmão mais novo, gabriel, cujo nome, ana, que ainda era 'ana carolina moura de oliveira', escolheu em acordo com seu padrasto. sua grande amiga era a junia, a moça quem cuidava dela, suas diversões juntas eram fazer salada de carambola, cortar estrelinhas, e ligar para a rádio e oferecer música uma à outra, até o dia em que junia a ofereceu 'brucutu' de roberto carlos e esta seria imbatível, virou hit
nesta época ia de ônibus sozinha para a escola, estava na quarta série e estudava numa escola publica no bairro eldorado, mas já tinha se mudado para o barreiro, sempre mudava, sempre. a independência começava, mas nem tanto, um dia sua mãe pediu para que ela comprasse alface no sacolão, mas ela trouxe repolho, tirando isso adorava fazer o percurso tocando as campainhas dos vizinhos. e gostava de quando vizinhos novos se mudavam para o condomínio para junto com luiza [sua primeira melhor amiga da vida] aproveitarem o papelão para escorregar na grama inclinada que havia entre um bloco de prédios e outro.
um dia carol [uma outra amiga] a aterrorizou profundamente dizendo que quando o gabriel nascesse sua vida seria um inferno e que sua mãe se esqueceria dela, mas ana nem 'tchum' até quando ele realmente nasceu, ela pegou catapora e foi mandada uma semana ou mais para casa da sua tia tidinha que a mergulhava em banhos com um pozinho roxo e pasta d'água depois.
nesse ano fez onze anos, ia se mudar para o colégio católico particular do novo bairro e estava ultra animada, sua mãe continuou não passando nos infinitos exames de direção, seu padrasto atropelou um cachorro e ela teve toda a raiva do mundo por causa disso, uma chuva fez desmoronar a grama inclinada do condomínio, ela caiu de barriga quando andava de patins de costas e o seu pai roncou muito no outro filme pop que eles tentaram assistir que ela nem pôde se concentrar.
começou a gostar de tarô e das pedras semi-preciosas do brasil graças à sara, a cabeleireira da sua mãe na época, ana fez relaxamento no cabelo e seu pai ficou decepcionado. seus pais brigavam sempre, ana planejava estratégias minuciosas de evitar as brigas, um dia disse à sua mãe que queria morrer e sua mãe a colocou de castigo.
fez também ginástica olímpica neste ano com um professor histérico, tentou participar do coral da igreja, ideia da mãe da luiza, não durou nem dois domingos.
tentou fumar e não conseguiu, se viciou em cachorro-quente. frequentava as festas da turma de mestrado da sua mãe e odiava caetano veloso, pintou junto com o seu pai uma tela à óleo que integrou a primeira exposição individual dele na biblioteca publica perto da praça da liberdade, seu irmão foi e todos diziam que ele era filho do chico césar por causa do seu cabelo no meio, era engraçado, ana amava o cd aos vivos do chico césar, havia cd nessa época, isso era incrível.
gostava dos trovões nas chuvas do barreiro e queria muito ter um cachorro.
- -
Ana Pi: seu blogue e seu flickr.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Pedro Carvalho
Em 1997, eu estudava no Equipe e era conhecido como Pressuposto (Pressupa para os chegados). Nem me perguntem como surgiu esse apelido.
Andava de chinelo e matava aula pra fumar um na marginal, ou andando pelas ruas da Vila Madalena. Namorava com uma delicada moça chamada Lara, adorava a escola, ouvia muito Jorge Ben, Novos Baianos, Caetano e Gil. Meus melhores amigos eram o Foca e o Fil.
Queria prestar Psicologia, mas acabei fazendo Letras. Trabalhava numa casa noturna de forró chamada Espaço Equilíbrio e toda quinta comia pastel na feira.
Acreditava ser muito esperto, descolado e de esquerda, como se essa combinação me colocasse acima (bem acima) da média dos mortais paulistanos da zona oeste. Aquelas certezas dos dezessete, sabem?
Cantei "Vai passar" na minha formatura. Conheci a primeira astróloga da minha vida, mãe do Fil: Virgínia Pinheiro.
Andava de chinelo e matava aula pra fumar um na marginal, ou andando pelas ruas da Vila Madalena. Namorava com uma delicada moça chamada Lara, adorava a escola, ouvia muito Jorge Ben, Novos Baianos, Caetano e Gil. Meus melhores amigos eram o Foca e o Fil.
Queria prestar Psicologia, mas acabei fazendo Letras. Trabalhava numa casa noturna de forró chamada Espaço Equilíbrio e toda quinta comia pastel na feira.
Acreditava ser muito esperto, descolado e de esquerda, como se essa combinação me colocasse acima (bem acima) da média dos mortais paulistanos da zona oeste. Aquelas certezas dos dezessete, sabem?
Cantei "Vai passar" na minha formatura. Conheci a primeira astróloga da minha vida, mãe do Fil: Virgínia Pinheiro.
Ana Rüsche
não tenho muita vontade de me lembrar de 1997. 18 é número ingrato pra qualquer pessoa – é uma eterna possibilidade de adulteza que nunca se concretiza. umas 7 turmas diferentes de amigos, nunca poderiam freqüentar a mesma festa. minha cabeça mesmo tinha umas 7 personalidades diferentes, cada uma bem firme nas certezas de suas opiniões.
ano de cursinho. adorava o cursinho, ficar trancafiada numa sala com 120 outros adolescentes num barco estranho, aos gritos, ao silêncio profundo, aos ranqueamentos, às paixonites ridículas, uma pra cada um dos 7 dias da semana.
mas sabe que tinha uma concentração que hoje invejo? pois sim. guardava tudo na cabeça. agora não. não mais. era boa aluna e isso bastava ao mundo. a mim mesmo nada bastava. a insuficiência de existir. isso de ter 18. eterna reclamação passageira de estar no meio, entre o limbo e o lugar nenhum. ainda escrevi uns poemas. todos os anos são dias para escrever poemas.
ano de cursinho. adorava o cursinho, ficar trancafiada numa sala com 120 outros adolescentes num barco estranho, aos gritos, ao silêncio profundo, aos ranqueamentos, às paixonites ridículas, uma pra cada um dos 7 dias da semana.
mas sabe que tinha uma concentração que hoje invejo? pois sim. guardava tudo na cabeça. agora não. não mais. era boa aluna e isso bastava ao mundo. a mim mesmo nada bastava. a insuficiência de existir. isso de ter 18. eterna reclamação passageira de estar no meio, entre o limbo e o lugar nenhum. ainda escrevi uns poemas. todos os anos são dias para escrever poemas.
- - -
Ana Rüsche
Drica Cruz
nesse ano eu me formava na faculdade, trabalhava em uma emissora de televisão vestindo apresentadores, namorava o menino que trouxe a música definitivamente na minha vida e tinha cabelos com cortes e cores duvidosos ( segundo meu pai). também fiz minha primeira tatuagem. adorei lembrar de tudo isso, mesmo porque, para lembrar de 1997 tive que fazer uma pesquisa, haha. melhor foi lembrar que foi um ano importante demais e estava esquecido. de repente ficou tudo fresco: lembro de ouvir jesus&mary chain no chão, encostada na cama, no quarto da casa dos meus pais, assim como VELVET, drugstore, music machine, trogs e the seeds. resolvo fazer meu tcc baseado na influência musical do seeds e toda psicodelia. compro briga na faculdade, o tema tinha que ser "brasileiro". sim, eu já ouvia música brasileira e gostava muito de tudo que gosto até hoje: caetano, gil, mutantes, etc. ouvia a coordenação falar: e por que não mutantes? eu queria seeds! eu ouvia seeds com som e sem som, lisergicamente pelas ruas e madrugadas aonde começávamos a noite no retrô de roberto cotrim, na santa cecília, e de lá íamos em caravana da coragem para o hell's club. saíamos de lá 11 da manhã, pegávamos um ônibus para o embu ou para qualquer ponto final, não importava, eram tantas as praças, eram tantos os parques, eram tantos os gramados, as risadas, as catuabas e os litros de chapinha. tudo estava apenas começando e o fim de semana era eterno, haha. " the march of the flower children" nos guiava para onde fossemos - - haha. muitos amigos trago comigo até hoje, outros ficaram perdidos nos anos. o rapaz da música ainda mora no meu coração, com todo respeito que lhe devo. e sou muito feliz por tudo que ele trouxe. acho que além da música , também os desenhos. acho que além dos desenhos, uma forma simples de viver. algo que talvez eu tenha esquecido. (desculpa, Free, eu fiquei gente grande demais. não foi culpa minha. haha). lembro da mini-saia e das meias rasgadas, ligadas por um fio. lembro dos casaquinhos achados no asilo "bezerra de menezes" na penha, lembro de um adesivo enooooorme do kinder ovo grudado no teto do carro da lavinia e lembro do roberto puxando vazamento na pista de dança do retrô em dia de chuva com o rodinho. lembro de gangorras e balanças , e de percorrer o minhocão inteiro de madrugada. queria morrer quando pegava o metrô já de manhã e dormia no banco, acabava parando em corinthians/itaquera. acho que foi isso, nem tão isso mas resumidamente isso. e a festa nunca terminou.
um pouco de sky saxon pra vc:
- - -
Drica Cruz
Vi
Em 1997, eu. Segundo ano da faculdade de letras da ufrj, ilha do fundão ou algo próximo do cenário apocalíptico. Detestava, achava tudo fraco, bagunçado, feio, quebrado, sujo, poluído, sem falar em toda aquela fonologia, morfologia, e um latim que foi mesmo para que eu nunca mais soubesse latim, ueritas, ueritatem, ueritate. Em uma aula fomos a um laboratório em que tínhamos que falar ‘cadeira’ numa máquina e analisar as frequências do gráfico. Eu ia de ônibus, levava 1 hora até a faculdade, um ônibus abarrotado de gente dentro, ia amassada na porta, às 6 da manhã, para chegar lá e ver aquilo.
Nas férias do início do ano tinha me apaixonado por um estudante de arquitetura 8 anos mais velho, na verdade, claro, não tínhamos nada em comum, ele era louco, bebia todas, fumava todas, era engraçado, e lindamente moderninho, metido a artista, paixão platônica durante meses, antes de conseguir me aproximar e vermos, os dois, que não, não dava (mas isso foi só no ano seguinte). Acho até que ele me fez bem, porque eu mudei muito na direção dele.
Quando pensei em 1997, achei que tinha sido um ano triste, e não sabia bem o motivo, mas, sim, eu morava numa casa horrível com a minha mãe, era a nossa época ainda de muita dificuldade de dinheiro. Era uma casa emprestada de uma tia avó, tinha um quarto só, e minha mãe juntava cada um dos centavos para comprarmos a casa em que ela mora hoje. Mas antes, naquela casa, lembro que numa noite um rato subiu na minha cama e que enquanto eu tomava banho às vezes saia uma lacraia pelo ralo. Logo nos mudamos, mas até hoje eu tenho ainda uns pesadelos com aquela casa.
Ah!, em 1997 nasceu meu irmão mais novo por parte de pai, fui com a minha amiga mais próxima para Belo Horizonte de ônibus para conhecê-lo, foi muito divertido, rimos muito na viagem. Cheguei lá e ele era tão pequeno, tão pequeno, que li Hamlet, para uma aula da semana seguinte, com ele no colo e ele ficava emboladinho entre o meu queixo e o meu umbigo.
No fim do ano fiz meu segundo vestibular para jornalismo, antes da última prova, depois de ter feito muito bem todas, eu acordei e pensei ‘eu vou passar’. Então me sentei na cama e decidi não ir à prova (que era literalmente do outro lado da rua), me deitei e voltei a dormir. Passei uns anos achando essa uma decisão sem nexo, mas foi imensamente sábia. Depois veio um dos melhores fins de ano que passei na fazenda, e 98.
Nas férias do início do ano tinha me apaixonado por um estudante de arquitetura 8 anos mais velho, na verdade, claro, não tínhamos nada em comum, ele era louco, bebia todas, fumava todas, era engraçado, e lindamente moderninho, metido a artista, paixão platônica durante meses, antes de conseguir me aproximar e vermos, os dois, que não, não dava (mas isso foi só no ano seguinte). Acho até que ele me fez bem, porque eu mudei muito na direção dele.
Quando pensei em 1997, achei que tinha sido um ano triste, e não sabia bem o motivo, mas, sim, eu morava numa casa horrível com a minha mãe, era a nossa época ainda de muita dificuldade de dinheiro. Era uma casa emprestada de uma tia avó, tinha um quarto só, e minha mãe juntava cada um dos centavos para comprarmos a casa em que ela mora hoje. Mas antes, naquela casa, lembro que numa noite um rato subiu na minha cama e que enquanto eu tomava banho às vezes saia uma lacraia pelo ralo. Logo nos mudamos, mas até hoje eu tenho ainda uns pesadelos com aquela casa.
Ah!, em 1997 nasceu meu irmão mais novo por parte de pai, fui com a minha amiga mais próxima para Belo Horizonte de ônibus para conhecê-lo, foi muito divertido, rimos muito na viagem. Cheguei lá e ele era tão pequeno, tão pequeno, que li Hamlet, para uma aula da semana seguinte, com ele no colo e ele ficava emboladinho entre o meu queixo e o meu umbigo.
No fim do ano fiz meu segundo vestibular para jornalismo, antes da última prova, depois de ter feito muito bem todas, eu acordei e pensei ‘eu vou passar’. Então me sentei na cama e decidi não ir à prova (que era literalmente do outro lado da rua), me deitei e voltei a dormir. Passei uns anos achando essa uma decisão sem nexo, mas foi imensamente sábia. Depois veio um dos melhores fins de ano que passei na fazenda, e 98.
Lenina Mesquita
Concluí o segundo grau em 1996. Lembro-me das últimas provas que fiz, barriguda, bem barriguda aos seis meses de gestação.
Meu aniversário de 18 anos, em 18 de dezembro daquele ano, simbolizava o fim da adolescência, a iminência da vida adulta, da maternidade e do novo ano.
Aquele foi o reveillon mais intenso já vivido por mim. Um sincretismo de felicidade e tristeza, confiança e medo, determinação e incertezas surgiu num episódio íntimo, à ser mantido na privacidade daquele momento.
Lembro-me bem de lamentar a morte de Chico Science e, dois dias depois, comemorar a chegada do meu rebento, numa segunda-feira de carnaval.
Experiência maravilhosa esta!
Um mês e meio depois peguei um avião e vim passar um tempo em Recife e João Pessoa com o meu filho.
Fiquei quase dois meses no nordeste, me fortalecendo através do carinho da família e a sabedoria de minha avó.
Neste período minha tia trabalhava num posto de saúde em Cabo de Santo Agostinho, que atendia a população carente, grande parte cortadores de cana-de-açúcar. Um dia a campaínha toca no final do dia, quando vou atender vejo minha tia com um bebê de 3 dias no colo, que a mãe havia abandonado num banco do posto no momento em que a ambulância chegou para levá-la de volta à roça.
Foi assim que ganhei mais um primo entre os quase 40 que tenho só desse lado da família.
O ano todo foi um reflexo dos seus primeiros minutos.
Era impossível me dar conta, naquele momento, das transformações pelas quais passava.
E ao final daquele ano, mais uma experiência forte simbolizava uma nova fase de mudanças. No natal de 1997, pela primeira vez bebi o "vegetal" no Sítio Sollua e então comecei minha viagem sem volta às profundezas do meu interior.
Certamente este foi o ano mais intenso da minha existência.

Meu aniversário de 18 anos, em 18 de dezembro daquele ano, simbolizava o fim da adolescência, a iminência da vida adulta, da maternidade e do novo ano.
Aquele foi o reveillon mais intenso já vivido por mim. Um sincretismo de felicidade e tristeza, confiança e medo, determinação e incertezas surgiu num episódio íntimo, à ser mantido na privacidade daquele momento.
Lembro-me bem de lamentar a morte de Chico Science e, dois dias depois, comemorar a chegada do meu rebento, numa segunda-feira de carnaval.
Experiência maravilhosa esta!
Um mês e meio depois peguei um avião e vim passar um tempo em Recife e João Pessoa com o meu filho.
Fiquei quase dois meses no nordeste, me fortalecendo através do carinho da família e a sabedoria de minha avó.
Neste período minha tia trabalhava num posto de saúde em Cabo de Santo Agostinho, que atendia a população carente, grande parte cortadores de cana-de-açúcar. Um dia a campaínha toca no final do dia, quando vou atender vejo minha tia com um bebê de 3 dias no colo, que a mãe havia abandonado num banco do posto no momento em que a ambulância chegou para levá-la de volta à roça.
Foi assim que ganhei mais um primo entre os quase 40 que tenho só desse lado da família.
O ano todo foi um reflexo dos seus primeiros minutos.
Era impossível me dar conta, naquele momento, das transformações pelas quais passava.
E ao final daquele ano, mais uma experiência forte simbolizava uma nova fase de mudanças. No natal de 1997, pela primeira vez bebi o "vegetal" no Sítio Sollua e então comecei minha viagem sem volta às profundezas do meu interior.
Certamente este foi o ano mais intenso da minha existência.

Marcio Leandro Oliveira
Em 1997 eu fui pra faculdade. Minha primeira e inconclusa faculdade. No final do ano anterior eu só pensava em continuar na escola. Não que eu gostasse de aulas, mas gostava da escola, das pessoas que estavam lá, de conviver com elas. Por não gostar de aulas, por achá-las chatas e insuficientes, sempre fui um aluno nota c. Talvez por isso mesmo eu gostasse das aulas de arte e de educação física. Tinha 18 anos e, vigor e mais vigor, acabei me achando no esporte e, como não poderia continuar na escola – birra – acabei optando em prestar vestibular pra Educação Física. Na faculdade, que era física, mas também educação, descobri que existem muitas formas de se ensinar e que, na verdade, eu nunca tinha me adaptado aos métodos escolares por que passei. Enfim, descobri que não era tão burro quanto imaginava.
1997 foi também o ano em que eu tive uma banda. Eu adorava porque tocava com uns caras que eram bons. Eu ficava admirado como pra mim era tão difícil executar as combinações de notas nas teclas brancas e pretas, mas pra eles a música saía tão fácil... acho que eles só deixavam eu tocar com eles porque eu tinha um teclado... Assim como na escola, eu gostava de estar com eles, tocar com eles, mas odiava ensaios, estudos solitários... a gente fez alguns shows, tapinhas nas costas, holofotes, aprendizes de grupies mandando beijinhos da platéia... eu adorava aquela vida. Mas música exige esforço pra quem não é tão bom naturalmente e foi aí que eu descobri que eu não gostava tanto assim de música pra me dedicar. Me lembro do guitarrista da banda me vendo tocar e dizendo: “você é um desperdício. Tanta sensibilidade e tanta preguiça”.
A vida era o agora e em algum momento, não sei qual momento, deixou de ser. 1997 era um pouco antes do ano dois mil e era preciso urgência porque... vai que o mundo acaba...
Em 1997:
A princesa Lady Di morreu num acidente de carro no dia em que eu completava 19 anos.
O Fluminense foi bi-rebaixado no campeonato brasileiro.
Comi um space cake. Foi minha única experiência com alucinógenos.
Ouvi pela primeira vez Kind of Blue, do Miles Davies.
Li Cem Anos de Solidão.
Vi pela primeira vez um filme do Pasolini.
Pela primeira vez, de verdade, me apaixonei.
No terceiro dia do ano chegou lá em casa meu gatinho siamês, Nicolau. Ele está comigo até hoje.
1997 foi também o ano em que eu tive uma banda. Eu adorava porque tocava com uns caras que eram bons. Eu ficava admirado como pra mim era tão difícil executar as combinações de notas nas teclas brancas e pretas, mas pra eles a música saía tão fácil... acho que eles só deixavam eu tocar com eles porque eu tinha um teclado... Assim como na escola, eu gostava de estar com eles, tocar com eles, mas odiava ensaios, estudos solitários... a gente fez alguns shows, tapinhas nas costas, holofotes, aprendizes de grupies mandando beijinhos da platéia... eu adorava aquela vida. Mas música exige esforço pra quem não é tão bom naturalmente e foi aí que eu descobri que eu não gostava tanto assim de música pra me dedicar. Me lembro do guitarrista da banda me vendo tocar e dizendo: “você é um desperdício. Tanta sensibilidade e tanta preguiça”.
A vida era o agora e em algum momento, não sei qual momento, deixou de ser. 1997 era um pouco antes do ano dois mil e era preciso urgência porque... vai que o mundo acaba...
Em 1997:
A princesa Lady Di morreu num acidente de carro no dia em que eu completava 19 anos.
O Fluminense foi bi-rebaixado no campeonato brasileiro.
Comi um space cake. Foi minha única experiência com alucinógenos.
Ouvi pela primeira vez Kind of Blue, do Miles Davies.
Li Cem Anos de Solidão.
Vi pela primeira vez um filme do Pasolini.
Pela primeira vez, de verdade, me apaixonei.
No terceiro dia do ano chegou lá em casa meu gatinho siamês, Nicolau. Ele está comigo até hoje.
Carol
mil novescentos e noventa e sete...e de repente não mais que de repente já é dois mil e dez, neném!
pois é.
1997.?... 1997...
já lá se vão 13 anos desde que:
O povoado Aguada de Cima passou a ser vila e, por sua vez, as vilas de Sacavém, Queluz, Alcácer do Sal, Fátima, Sines e Vila Nova de Foz Côa passaram a ser cidade. | madre teresa de calcutá morreu. darcy ribeiro e betinho também. | é o ano em que cinco jovens de classe média de Brasília ateiam fogo ao corpo do cacique pataxó Galdino Jesus dos Santos, que morre por causa das queimaduras. | É assinado o Tratado da União Europeia, na cidade holandesa de Maastricht. | primeiro disco da Ivete Sangalo!
é o ano de Titanic. Lembro que não fui ao cinema, e acabei assistindo I'm flying Jack! na microtelevisão lá de casa. Terminei o filme e o prato de brigadeiro naquele orgulho besta e adorável da adolescência, falando mal do cinema espetáculo, das histórias de amor estereotipadas, ainda que estivesse doidinha para viver uma.
fazendo as contas, percebo que foi quando completei meus 15 anos e naquela altura, a turma toda fazia 15. Manu e Joana eram as grandes companheiras e ainda são, porque as coisas, como as vivi nessa época, transformavam os grupos em irmandades e aquelas que sobreviveram tornaram-se as irmãs de agora. então manu, joana e eu mais não fazíamos do que ir em milhões de festas de 15 anos. Toda a pompa: vestidos com rodas, corpetes, meninos de terno e gravata. todo mundo criança, mas a fantasia de adulto combinada com bar aberto era o que de melhor a gente poderia viver naqueles tempos. dançar a valsa, ir ao cabeleleiro, ficar toda arrumada para começar a festa linda e terminar o mais desastrada possível (acho que a diversão funcionava por contraste: quanto mais alto era o salto, mais rápido ele acabava jogado num canto qualquer, e, na hora de ir para casa, era carregado - e não vestido - como um troféu da boemia). o clássico era sair dessas festas e ir vestida de princesa borrada de maquiagem para a padaria tomar café e pão com manteiga. era a glória chegar em casa levando pão.
delírio, meu! delírio! palinha da trilha sonora:
pois é.
1997.?... 1997...
já lá se vão 13 anos desde que:
O povoado Aguada de Cima passou a ser vila e, por sua vez, as vilas de Sacavém, Queluz, Alcácer do Sal, Fátima, Sines e Vila Nova de Foz Côa passaram a ser cidade. | madre teresa de calcutá morreu. darcy ribeiro e betinho também. | é o ano em que cinco jovens de classe média de Brasília ateiam fogo ao corpo do cacique pataxó Galdino Jesus dos Santos, que morre por causa das queimaduras. | É assinado o Tratado da União Europeia, na cidade holandesa de Maastricht. | primeiro disco da Ivete Sangalo!
é o ano de Titanic. Lembro que não fui ao cinema, e acabei assistindo I'm flying Jack! na microtelevisão lá de casa. Terminei o filme e o prato de brigadeiro naquele orgulho besta e adorável da adolescência, falando mal do cinema espetáculo, das histórias de amor estereotipadas, ainda que estivesse doidinha para viver uma.
fazendo as contas, percebo que foi quando completei meus 15 anos e naquela altura, a turma toda fazia 15. Manu e Joana eram as grandes companheiras e ainda são, porque as coisas, como as vivi nessa época, transformavam os grupos em irmandades e aquelas que sobreviveram tornaram-se as irmãs de agora. então manu, joana e eu mais não fazíamos do que ir em milhões de festas de 15 anos. Toda a pompa: vestidos com rodas, corpetes, meninos de terno e gravata. todo mundo criança, mas a fantasia de adulto combinada com bar aberto era o que de melhor a gente poderia viver naqueles tempos. dançar a valsa, ir ao cabeleleiro, ficar toda arrumada para começar a festa linda e terminar o mais desastrada possível (acho que a diversão funcionava por contraste: quanto mais alto era o salto, mais rápido ele acabava jogado num canto qualquer, e, na hora de ir para casa, era carregado - e não vestido - como um troféu da boemia). o clássico era sair dessas festas e ir vestida de princesa borrada de maquiagem para a padaria tomar café e pão com manteiga. era a glória chegar em casa levando pão.
delírio, meu! delírio! palinha da trilha sonora:
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Mayana Redin
em 1997 mau humor constante e, paradoxalmente, o primeiro beijo.
foi no verão - claro - na praia; na frente de uma igreja, com um moleque qualquer que tinha se engraçado. odiava colégio, odiava o rio grande do sul, gostava dos professores. era neutra, não tinha personalidade, tímida e estranha, óculos, aparelho fixo, e problemas com o peso.
passava muito frio e ainda tinha sotaque mineiro. era estrangeira, e adolescente.
preferiria contar algo ainda dos anos oitenta quando tudo era mais bonito.
mas como a brincadeira é 97, aqui estou, quase numa rememoração melancólica dos anos 1997, quando a vida era quase somente a maldita escola que estudava e outras coisas que, sem saber que poderiam se tornar algo interessante na minha vida, eu deixava passar porque nao era muito "interessante" no meio em que vivia. a música, por exemplo. tocava violão e aprendia tudo que queria com a vontade de uma criança.
esses dias um amigo do colégio (dessa época) descobriu que éramos vizinhos no novo rumo das crianças de 97 que viraram adultos em 2010. ele me falou: "você era uma entusiasta dos esportes!". fiquei chocada com aquela imagem que ele tinha de mim, mas era real: eu jogava.
era uma jogadora. nao mudou muito hoje, mas agora acho que jogo outras coisas.
jogava vôlei, times femininos e toda uma função competitiva que sentia nenhuma capacidade de acompanhar. mas era a levantadora oficial do time. uma função bem poética: quase terapeuta do time: eu botava a bola pra cima pras outras fazerem o ponto. era uma coisa que sempre me chamava atenção. todo erro era meu, e todo acerto, era delas.
acabei tomando gosto pelo erro, e desandei para o mundo da decepção: a arte e o gosto pela tentativa. a diferença agora é que a decepção é matéria de criação. antes, era matéria de opressão. gosto mais desse outro jogo.
ainda assim, até hoje, é o unico sonho que se repete daquela época: eu de novo numa quadra de vôlei, com uma treinadora irritadiça do meu lado, histérica. imagino que seja sintomático de épocas nervosas, quando repito os mesmo sintomas daquilo que aprendi com a rudeza de uma cidade alemã, fria e nervosa.
sinceramente, preferiria ter ficando com as memórias do beijo, mesmo que errado, torto, estabanado.
1998, já, foi bem melhor.
- - -
Mayana Redin: em seu flickr e seu blogue.
foi no verão - claro - na praia; na frente de uma igreja, com um moleque qualquer que tinha se engraçado. odiava colégio, odiava o rio grande do sul, gostava dos professores. era neutra, não tinha personalidade, tímida e estranha, óculos, aparelho fixo, e problemas com o peso.
passava muito frio e ainda tinha sotaque mineiro. era estrangeira, e adolescente.
preferiria contar algo ainda dos anos oitenta quando tudo era mais bonito.
mas como a brincadeira é 97, aqui estou, quase numa rememoração melancólica dos anos 1997, quando a vida era quase somente a maldita escola que estudava e outras coisas que, sem saber que poderiam se tornar algo interessante na minha vida, eu deixava passar porque nao era muito "interessante" no meio em que vivia. a música, por exemplo. tocava violão e aprendia tudo que queria com a vontade de uma criança.
esses dias um amigo do colégio (dessa época) descobriu que éramos vizinhos no novo rumo das crianças de 97 que viraram adultos em 2010. ele me falou: "você era uma entusiasta dos esportes!". fiquei chocada com aquela imagem que ele tinha de mim, mas era real: eu jogava.
era uma jogadora. nao mudou muito hoje, mas agora acho que jogo outras coisas.
jogava vôlei, times femininos e toda uma função competitiva que sentia nenhuma capacidade de acompanhar. mas era a levantadora oficial do time. uma função bem poética: quase terapeuta do time: eu botava a bola pra cima pras outras fazerem o ponto. era uma coisa que sempre me chamava atenção. todo erro era meu, e todo acerto, era delas.
acabei tomando gosto pelo erro, e desandei para o mundo da decepção: a arte e o gosto pela tentativa. a diferença agora é que a decepção é matéria de criação. antes, era matéria de opressão. gosto mais desse outro jogo.
ainda assim, até hoje, é o unico sonho que se repete daquela época: eu de novo numa quadra de vôlei, com uma treinadora irritadiça do meu lado, histérica. imagino que seja sintomático de épocas nervosas, quando repito os mesmo sintomas daquilo que aprendi com a rudeza de uma cidade alemã, fria e nervosa.
sinceramente, preferiria ter ficando com as memórias do beijo, mesmo que errado, torto, estabanado.
1998, já, foi bem melhor.
- - -
Mayana Redin: em seu flickr e seu blogue.
Marcos Visnadi
Em 1997 cinco adolescentes botaram fogo em um índio que dormia num ponto de ônibus em Brasília. Eles fizeram isso porque achavam que fosse só um mendigo. Era Dia do Índio.
Na aula de Educação Artística a gente teve que fazer um desenho que demonstrasse a união das três culturas pra formação do povo brasileiro. Eu desenhei um soldado português sentado embaixo de uma árvore comendo feijoada com uma pena na cabeça.
Minha única amiga era a empregada doméstica, que era como uma irmã pra mim e por quem eu tinha muito amor - o que não impediu que eu dissesse um dia pra ela que EU era o patrão.
Eu tinha nojo de pele negra e tinha vergonha de admitir isso.
Na aula de Educação Artística a gente teve que fazer um desenho que demonstrasse a união das três culturas pra formação do povo brasileiro. Eu desenhei um soldado português sentado embaixo de uma árvore comendo feijoada com uma pena na cabeça.
Minha única amiga era a empregada doméstica, que era como uma irmã pra mim e por quem eu tinha muito amor - o que não impediu que eu dissesse um dia pra ela que EU era o patrão.
Eu tinha nojo de pele negra e tinha vergonha de admitir isso.

Tata Marques
Eu estava na oitava série e era magra, mas me achava gorda. Era mais alta que todas as colegas de sala e pensava que isto era uma coisa muito ruim, provavelmente porque os meninos crescem depois das meninas e, naquela época, eles eram ainda muito menores que eu e, talvez por isto, sentissem maior atração pelas baixinhas. Acho que foi naquele ano que eu decidi que só me olharia no espelho quando fosse estritamente necessário, ou seja, para espremer cravos, para prender o rabo de cavalo e para escovar os dentes.
No início de 1997, a pessoa com quem eu mais conversava era comigo. Meu passatempo, em casa, era tocar violão e ouvir música de todo tipo. O Luís me apresentou a Marisa Monte, numa reunião na casa dele. Escutei ‘De Mais Ninguém’ no meio da balburdia, com o ouvido grudado na caixa. Quando a música acabou, nem dei tchau. Fui embora e passei o final de semana tentando tocar aqueles baixos, em seis cordas; Na escola, meus passatempos eram ler Dostoievski durante as aulas de ciências e desenhar os professores em trajes engraçados nas demais: o Flávio, por exemplo, que era gordinho e dava aula de geografia, fiz virar bailarina. O legal disso era que os desenhos rodavam de mão em mão - sem assinatura, claro - e todo mundo reconhecia que era o professor que dançava balé com as banhas saltando por entre o top e o saiote cor de rosa.
Na hora do recreio, meu lugar preferido era o banco que ficava debaixo da sirene. Eu me sentava sozinha e ali permanecia até o fim, mesmo que grupinhos ocupassem o resto do espaço do assento e sem uma palavra direta me pressionassem a retirada. Eu era firme. Quando acontecia de eu chegar tarde e o espaço do banco já estar todo tomado, eu me encostava à parede ao lado e ficava estanque, sozinha no meio dos outros, sem dizer uma palavra.
Os mais velhos da escola sempre tiveram autoridade para expulsar os mais novos dos lugares que escolhiam para si. Não estava escrito, mas era lei. E, depois de algumas semanas de aula, naquele ano, a turminha do terceiro ano escolheu o meu banco. Passaram a chegar em bando, carregando merendas industrializadas, pacotes de guloseimas, gargalhadas, assuntos da noite passada, e quase me engoliam, mas eu não saía. Foi assim até que, quando eles deram por si, eu ainda estava ali todos os dias.
O Sebastião era desse grupinho do terceiro ano. Ele tinha cabelos claros e cacheados como os do Pequeno Príncipe. E também tinha olhos azuis e parecia um tipo de líder, porque todos falavam alto, menos ele. Quando o Sebastião abria a boca, a euforia dos outros diminuía para dar ouvidos, e eu achava aquilo muito importante. Ele era bem mais alto que eu, e era educado. E foi o Sebastião quem, do grupo dos mais velhos, primeiro conversou comigo. Ele comia biscoito recheado de chocolate, e estava sentado ao meu lado, tão apertado que o braço dele, sem querer, acotovelou o meu. Então, ele pediu desculpas e perguntou meu nome. Eu respondi com a voz baixinha que eu tinha na época: Renata. Mas ele perguntou muito calmo outra vez, por não ter entendido ou ouvido, e eu repeti gritando como faço hoje: Renata! E, por obra do acaso, ou porque todos se calavam para ouvir Sebastião, aconteceu de ser num daqueles momentos em que o mundo pára pra respirar e só a gente é que fala e faz barulho. E, desde aquele momento, eu fiquei apresentada aos mais velhos todos de uma vez. E ele me ofereceu um biscoito. Eu aceitei, mas não abri pra tirar o recheio primeiro, como era de meu costume, porque fiquei com muita, mas muita, mas muita vergonha mesmo de ter alergia a chocolate. Comi e não fez mal.
Em 1997, foi este grupinho que me fez companhia na hora do recreio, até o fim do ano. Embora na maior parte do tempo eu olhasse para o nada e permanecesse calada, estávamos ali sentados no banco debaixo da sirene. E eles me cercavam e, de vez em quando, até pediam minha opinião nos assuntos deles.
Em 1998, essa turma se formou, saiu da escola e eu nunca mais vi aquelas pessoas. Era um grupo de muitos rapazes maiores que eu, mas, basicamente, lembro o nome do Sebastião e de uma menina só, que andava com eles, além de mim. E o nome dela era Alexandra. Eu sentia muito ciúme da Alexandra, porque pensava que ela fosse linda em maior grau que eu (que praticamente não me olhava no espelho desde o ano anterior) e porque demorei muito tempo para saber que do Sebastião ela era só prima.
Em 1997, eu nunca tinha beijado ainda, e sonhava que seria o Sebastião, meu primeiro beijo. Não foi. E eu não contei do meu sonho a ninguém, mas acho que se eu tivesse contado o Sebastião me beijava. Depois disso ainda fiquei anos esperando a hora de beijar, diga-se de passagem. E eu tinha uma amiga, da outra escola que eu freqüentei em 1996, a Suzana, que sempre que me encontrava, perguntava: e aí? Ainda tem a boca virgem?
Aos quatorze anos, minhas preocupações eram o violão, uma banda de rock que eu começava a formar com uns meninos que pareciam bonzinhos e só por isso minha mãe deixou, meus desenhos e meus ideais de mudar o mundo em mim.
- - -
Tata Marques
No início de 1997, a pessoa com quem eu mais conversava era comigo. Meu passatempo, em casa, era tocar violão e ouvir música de todo tipo. O Luís me apresentou a Marisa Monte, numa reunião na casa dele. Escutei ‘De Mais Ninguém’ no meio da balburdia, com o ouvido grudado na caixa. Quando a música acabou, nem dei tchau. Fui embora e passei o final de semana tentando tocar aqueles baixos, em seis cordas; Na escola, meus passatempos eram ler Dostoievski durante as aulas de ciências e desenhar os professores em trajes engraçados nas demais: o Flávio, por exemplo, que era gordinho e dava aula de geografia, fiz virar bailarina. O legal disso era que os desenhos rodavam de mão em mão - sem assinatura, claro - e todo mundo reconhecia que era o professor que dançava balé com as banhas saltando por entre o top e o saiote cor de rosa.
Na hora do recreio, meu lugar preferido era o banco que ficava debaixo da sirene. Eu me sentava sozinha e ali permanecia até o fim, mesmo que grupinhos ocupassem o resto do espaço do assento e sem uma palavra direta me pressionassem a retirada. Eu era firme. Quando acontecia de eu chegar tarde e o espaço do banco já estar todo tomado, eu me encostava à parede ao lado e ficava estanque, sozinha no meio dos outros, sem dizer uma palavra.
Os mais velhos da escola sempre tiveram autoridade para expulsar os mais novos dos lugares que escolhiam para si. Não estava escrito, mas era lei. E, depois de algumas semanas de aula, naquele ano, a turminha do terceiro ano escolheu o meu banco. Passaram a chegar em bando, carregando merendas industrializadas, pacotes de guloseimas, gargalhadas, assuntos da noite passada, e quase me engoliam, mas eu não saía. Foi assim até que, quando eles deram por si, eu ainda estava ali todos os dias.
O Sebastião era desse grupinho do terceiro ano. Ele tinha cabelos claros e cacheados como os do Pequeno Príncipe. E também tinha olhos azuis e parecia um tipo de líder, porque todos falavam alto, menos ele. Quando o Sebastião abria a boca, a euforia dos outros diminuía para dar ouvidos, e eu achava aquilo muito importante. Ele era bem mais alto que eu, e era educado. E foi o Sebastião quem, do grupo dos mais velhos, primeiro conversou comigo. Ele comia biscoito recheado de chocolate, e estava sentado ao meu lado, tão apertado que o braço dele, sem querer, acotovelou o meu. Então, ele pediu desculpas e perguntou meu nome. Eu respondi com a voz baixinha que eu tinha na época: Renata. Mas ele perguntou muito calmo outra vez, por não ter entendido ou ouvido, e eu repeti gritando como faço hoje: Renata! E, por obra do acaso, ou porque todos se calavam para ouvir Sebastião, aconteceu de ser num daqueles momentos em que o mundo pára pra respirar e só a gente é que fala e faz barulho. E, desde aquele momento, eu fiquei apresentada aos mais velhos todos de uma vez. E ele me ofereceu um biscoito. Eu aceitei, mas não abri pra tirar o recheio primeiro, como era de meu costume, porque fiquei com muita, mas muita, mas muita vergonha mesmo de ter alergia a chocolate. Comi e não fez mal.
Em 1997, foi este grupinho que me fez companhia na hora do recreio, até o fim do ano. Embora na maior parte do tempo eu olhasse para o nada e permanecesse calada, estávamos ali sentados no banco debaixo da sirene. E eles me cercavam e, de vez em quando, até pediam minha opinião nos assuntos deles.
Em 1998, essa turma se formou, saiu da escola e eu nunca mais vi aquelas pessoas. Era um grupo de muitos rapazes maiores que eu, mas, basicamente, lembro o nome do Sebastião e de uma menina só, que andava com eles, além de mim. E o nome dela era Alexandra. Eu sentia muito ciúme da Alexandra, porque pensava que ela fosse linda em maior grau que eu (que praticamente não me olhava no espelho desde o ano anterior) e porque demorei muito tempo para saber que do Sebastião ela era só prima.
Em 1997, eu nunca tinha beijado ainda, e sonhava que seria o Sebastião, meu primeiro beijo. Não foi. E eu não contei do meu sonho a ninguém, mas acho que se eu tivesse contado o Sebastião me beijava. Depois disso ainda fiquei anos esperando a hora de beijar, diga-se de passagem. E eu tinha uma amiga, da outra escola que eu freqüentei em 1996, a Suzana, que sempre que me encontrava, perguntava: e aí? Ainda tem a boca virgem?
Aos quatorze anos, minhas preocupações eram o violão, uma banda de rock que eu começava a formar com uns meninos que pareciam bonzinhos e só por isso minha mãe deixou, meus desenhos e meus ideais de mudar o mundo em mim.
- - -
Tata Marques
Paulo Mendes
JULIA,
em 1997 ouvia muito BECK do álbum que ele tinha editado no ano anterior...
Giu
Eu tinha 16 anos em 1997. Adolescência é uma vastidão de sentimentos, difícil saber narrar numa linha só, quando eu penso vira uma teia.
Morávamos apenas eu e minha mãe, e minha vida era escola e igreja. Estava no 2º colegial do Arqui, fazia humanas, só porque queria estar perto dos amigos nas aulas: sabia que tentaria Farmácia no vestibular. De brinde, aprendi filosofia e descobri Sartre, que colocou em xeque toda minha crença católica.
Neste ano, eu parei de andar tanto com meninas e me aproximei mais do Hilbert, meu companheiro fiel e inseparável até hoje. Passávamos as aulas eu, ele, Edson e Richards, escrevendo numa folha, uma espécie de chat analógico. Neles, a gente colocava apelido em absolutamente todos os alunos e professores e fazíamos piadinhas. A vingança dos nerds, não éramos descolados, éramos os esquisitos.
Lembro de ter ficado entre os 20 melhores alunos daquele ano, contra a minha vontade, não era aquela paranóia de competição que eu buscava. Comparar notas e modelos de tênis. Era muito opressivo e cruel aquele colégio, era muito grande, 500 alunos só da minha idade. Comprava muita briga, não deixava barato, mas chegava em casa e chorava muito.
Lembro de um trabalho de Literatura com Capitães da Areia, a gente fez um teatro de fantoches. Eu ainda fazia teatro, é verdade, ele me ajudou muito.
Já sofria de paixões platônicas e romanceava tudo. Quando eu finalmente consegui esquecer o Fabiano, que nunca me deu bola, e passei a gostar do Denis, seu melhor amigo, o Fabiano se declarou pra mim. Os desencontros. Eram meninos da igreja, eu estudava pra me crismar muito mais por eles do que por qualquer coisa.
Minha primeira sobrinha, a Luiza, nasceu já no 5º dia de 1997. Apaixonada, passava depois da aula todos os dias para vê-la. Almoçava, tomava um copão de nescau e dormia a tarde toda. Acordava pedindo dois pães na chapa pra Tiana, funcionária da família que cuidou até da minha bisavó. Meu irmão e cunhada não entendiam como eu funcionava daquele jeito.
No meu aniversário, em junho, frustrada por não ter tido uma festa de 15 anos ou uma viagem pra Disney, minha mãe me deu o melhor presente: chamou todos os meus amigos e contratou uma serenata, pra tocar "Tempos Modernos". Eu ouvia muito Barulhinho Bom, da Marisa Monte, e já me permitia.
- - -
giuliana xavier é uma das grite poesias.
Morávamos apenas eu e minha mãe, e minha vida era escola e igreja. Estava no 2º colegial do Arqui, fazia humanas, só porque queria estar perto dos amigos nas aulas: sabia que tentaria Farmácia no vestibular. De brinde, aprendi filosofia e descobri Sartre, que colocou em xeque toda minha crença católica.
Neste ano, eu parei de andar tanto com meninas e me aproximei mais do Hilbert, meu companheiro fiel e inseparável até hoje. Passávamos as aulas eu, ele, Edson e Richards, escrevendo numa folha, uma espécie de chat analógico. Neles, a gente colocava apelido em absolutamente todos os alunos e professores e fazíamos piadinhas. A vingança dos nerds, não éramos descolados, éramos os esquisitos.
Lembro de ter ficado entre os 20 melhores alunos daquele ano, contra a minha vontade, não era aquela paranóia de competição que eu buscava. Comparar notas e modelos de tênis. Era muito opressivo e cruel aquele colégio, era muito grande, 500 alunos só da minha idade. Comprava muita briga, não deixava barato, mas chegava em casa e chorava muito.
Lembro de um trabalho de Literatura com Capitães da Areia, a gente fez um teatro de fantoches. Eu ainda fazia teatro, é verdade, ele me ajudou muito.
Já sofria de paixões platônicas e romanceava tudo. Quando eu finalmente consegui esquecer o Fabiano, que nunca me deu bola, e passei a gostar do Denis, seu melhor amigo, o Fabiano se declarou pra mim. Os desencontros. Eram meninos da igreja, eu estudava pra me crismar muito mais por eles do que por qualquer coisa.
Minha primeira sobrinha, a Luiza, nasceu já no 5º dia de 1997. Apaixonada, passava depois da aula todos os dias para vê-la. Almoçava, tomava um copão de nescau e dormia a tarde toda. Acordava pedindo dois pães na chapa pra Tiana, funcionária da família que cuidou até da minha bisavó. Meu irmão e cunhada não entendiam como eu funcionava daquele jeito.
No meu aniversário, em junho, frustrada por não ter tido uma festa de 15 anos ou uma viagem pra Disney, minha mãe me deu o melhor presente: chamou todos os meus amigos e contratou uma serenata, pra tocar "Tempos Modernos". Eu ouvia muito Barulhinho Bom, da Marisa Monte, e já me permitia.
- - -
giuliana xavier é uma das grite poesias.
Assinar:
Postagens (Atom)