sábado, 25 de junho de 2011

Inês

Noventa e sete pôs-me a caminho de uma faculdade ao virar da esquina (estudar fora era impensável para a minha mãe e o meu pai conseguira sem esforço vender-me a ideia do curso de direito). Vivia desgostosa, refém de uma boca e de uma cabeça que nunca se deixou esquecer. Anulada por ele, respeitada pelos outros, cumpria quase exemplarmente o papel de melhor aluna com personalidade forte e, no entanto ou por isso mesmo, queria ser normal como toda a gente. Ainda achava que aos vinte e cinco haveria de estar casada e com filhos. Lia muito (Saramago era então o meu autor e eu já me preocupava com a arrumação dos livros), tinha jeito para línguas e galopava sempre que possível. Foi o ano em que comecei a viajar por minha conta (Londres e Barcelona). Via cinema europeu, sobretudo francês. Tapava bastante menos o corpo, puxava pelo ruivo e vincava os olhos a escuro. Oferecia-me de vez em quando. Ignorava que nunca me tinha sentido amada e contava o tempo para sair de casa. A vida só chegou depois.

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