segunda-feira, 20 de junho de 2011

José Muniz Jr.

O nono ano ainda se chamava oitava série, e acho que a coisa toda já se chamava ensino fundamental, mas de fundamental só tinha mesmo a professora Marlene, de matemática.

Eu escrevia poemas e fazia teatro. Foi por isso que, em 1997, aceitei encarnar Mickey Mouse numa festa no Dia das Crianças (eu, que ainda era uma!). Mas as crianças nem queriam saber de Mickey: queriam era puxar o meu rabo de rato, pisar no meu pé de rato e saber quem era a pessoa sob a pelúcia de rato.

"Mickey, você é homem, mulher ou viado?" (Achei a pergunta difícil naquela época.)

"Mickey, tem mais bala aí?" (Eu não podia responder, não sabia fazer voz de Mickey; fazia "não" com o dedo indicador, embora o desejo fosse dizer com o dedo médio.)

Com os cinquenta reais (uma fortuna!) que ganhei interpretando Mickey, comprei meu primeiro livro. Era a "Antologia poética" do Carlos Drummond de Andrade. Custou dezessete reais. Juro que não lembro o que fiz com o restante do dinheiro, mas suponho que tenha gastado em sanduíches e em vinho vagabundo pra beber sentado no meio-fio da praça. Nada aos pobres.

Gastei alguns meses lendo e relendo o prefácio do Drummond para o jovem leitor. Era a parte que eu entendia. Quando segui adiante na leitura, passei a não entender mais nada. Mas os poemas me faziam chorar e perder o fôlego. Chorar e perder o fôlego foram coisas que aprendi com Drummond; pratiquei bastante nos anos seguintes.

Mas aí já entramos em 1998, 1999, 2010, 2011, quem sabe? Então, registre-se apenas que em 1997 o nono ano ainda se chamava oitava série.

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José Muniz Jr.

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