quarta-feira, 15 de abril de 2015

Thiago Barbalho


Em 1997 não fiz nada de importante. Nem tragédias sofri. No máximo vi filmes de terror alugados na esquina – o medo, esse estímulo ao entediado que precisa se saber vivo. A gente se mudou pra vila militar. Passava um trem por trás da casa nova. Eu brincava por lá sozinho e escondido. Foi nessa época que cresci pra dentro. Nunca recorri a amigos fantásticos nem a super-heróis: eu tinha meus cachorros. O mundo não pedia imaginação: bastava olhar. Uma aranha-caranguejeira entrou no meu quarto. Que medo. E tinha também aquela amiga do colégio, com quem passei o ano criticando o resto da escola. A gente se protegia por trás de gargalhadas vingativas: falar mal de todo mundo era a nossa armadura. Adolescência. Minha camiseta de ET tinha seus últimos dias de uso, uma tristeza. Eu só era legal com ela. E agora? No ano anterior quase fui reprovado. Logo eu, antes um menino tão inteligente, agora carregava esse novo medo. Não seja reprovado. Bichos peçonhentos. Pelo amor de deus. Queria não ser burro. Mas que preguiça estudar. O mundo não era pra ser perfeito? Agora eu precisava me esforçar. A gente cresce e vai acumulando pavor, e a inteligência já não é suficiente. Diferente do mundo, que, justo ou não, basta. Já a gente, não: quanto mais ano, mais medo. É assim mesmo? Sou eu? Prazer eu tinha em fazer coisa nenhuma. O que tem de mal nisso? Ficar pensando. Brincar pra sempre. Lembra quando minha irmã achou uma cola no meu livro de história? O que é Marx? O que é um déspota esclarecido? O que é o mundo? O que é o medo? Como se eu fosse capaz de memorizar, entender, aplicar. Melhor abrir um pacote de passatempo. Melhor dormir a tarde inteira. Melhor assistir Mtv – isso se a antena der sinal. Melhor brincar com os cachorros. Quintal. Linha de trem. Mais ninguém. Em 1997 não fui à praia nenhuma vez. Em 1997 arquitetei ideologias de escape. Em 1997 eu já sabia que o passado parecerá sempre melhor? Não, em 1997 eu não sabia. E não saber era a minha sorte.


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