sábado, 25 de maio de 2013

Inês Achando

Em 1997 fui finalista do 1º ciclo! A professora disse que naquele dia tínhamos de ir todos vestidos com calças de ganga e t-shirt vermelha. 

Olhando para ela vi todos os puxões de orelhas dos últimos dois anos de escola. Vi também a pessoa que me ensinou a ler e a escrever; revivi os olhares arregalados que me fazia quando eu dava uma “resposta da lua” e quando a minha folha de ditado somava para lá de 20 erros só no primeiro parágrafo. 

Ela fazia-me tremer e desconcentrava-me as ideias quando me queria concentrada nas contas de dividir. 

Nessa manhã de fim de ciclo, estava a turma toda alinhada no palanque, meninos na fila de cima, meninas na fila de baixo, bem sorridentes para o momento da fotografia. A professora subiu para junto da turma e cantou connosco a música do final de ano que andamos um mês a ensaiar com o professor de música. Era um medley de músicas populares que tínhamos aprendido ao longo do ano escolar. 

As meninas preferiam ter feito uma coreografia da música das Spice Girls. Os meninos podiam ser os Back Street Boys, mas eles nunca gostavam dessas brincadeiras. 

O 4º ano terminou. É altura de seguir o caminho, atravessar a rua e entrar no portão da “escola dos crescidos”. 

Na plateia os rostos emocionados de pais e mães babavam-se para os seus filhos. 

A minha mãe e o meu pai também, claro, e aplaudiam a música. Na mão tinham a minha cartola de finalista e um diploma com uma fita cor-de-rosa com o emblema da escola e a minha fotografia: a fotografia escolar de sorriso tímido, blusa colorida com flores, casaco branco de malha e uma fita no cabelo com um laço bem grande. 

Levei todas as imagens comigo. A professora colocou-me a cartola e deu-me um abraço bem apertado. 

Fiquei de coração cheio porque ela disse que gostava de mim e eu, que gostava dela, pensava que às vezes ela era má comigo. Chegou a ser cruel quando dava um ralhete depois de eu me ter esforçado tanto. Chegou a ser cruel ao ponto de não me dar “excelente” num teste de Estudo do Meio porque escrevi mal uma palavra e foi logo deixar no canto da folha de teste um 99%. Fiquei aborrecida e fui para casa a remoer naquela injustiça. O teste nem sequer era de língua portuguesa! 

A escola terminou e deixou saudades. Meu namorado Tiago foi para outra escola. E o caminho que parecia ser só atravessar a rua, tornou-se imensamente distante pois nunca mais voltei a levar as bonecas para a escola e a brincar de pai e mãe com ele. O Tiago era um excelente pai de bonecas. 

Em Agosto, depois de soprar as minhas 10 velas, comecei a pensar no grande passo que me esperava ao entrar na “escola dos crescidos”. Em Setembro, como era hábito, fui ao dia de apresentação na companhia da minha mãe, muito consciente da importância desse primeiro dia. Caras novas de colegas e professores. Mas o mais monstruoso foi a imensidão de novas matérias: sete disciplinas implicavam organizar 7 cadernos e estudar 7 livros diferentes. Impressionante! Só espero ter tempo para brincar, pensei eu repetidamente, com aquele sentido de responsabilidade a palpitar-me no peito. 

No final, a minha mãe levou-me a lanchar para descomprimir. Ela sempre soube como tratar de mim. 


Almada, 25 de Maio 2013 

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Inês Achando

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rita Brás

em 97 minha avó morreu.
no dia de aniversário da minha melhor amiga. a gente tinha ido dançar nessa noite para o Jamaica, uma discoteca no Cais do Sodré, e eu cheguei em casa bem tarde. me lembro de um momento dessa noite em casa de minha mãe depois de chegar, entrar na casa-de-banho, me olhar no espelho, e de ficar quieta. mais tarde pensei que senti o exato momento da morte da minha avó. mas não sei, nunca soube, bem a hora em que morreu. ela estava num lar. coisa meio triste, mas a decisão não era minha, e eu ia visitá-la toda a semana. foi minha mãe que entrou no quarto de manhãzinha pra me dar a notícia, ela começou a chorar e estava nua, e uma estranheza enorme me invadiu, porque ninguém esperava. ninguém esperava nada disso, nem a morte, nem a estranheza, porque era meu avô quem devia morrer primeiro. lembro-me de ouvir que minha avó estava no lar só para meu avô ficar melhor. Minha amiga Teresa fazia 17 anos no dia 23 de fevereiro. Mais tarde soube que é o dia em que morreu também o Zeca Afonso, dez anos antes da minha avó. Nessa altura costumo pensar que eles estão juntos, não conversando, mas rindo muito de nós, e da nossa obsessão com datas e papéis manuscritos, videos na internet, loiça e saladas. Em 97 eu comecei a visitar mais meu avô, porque ele estava sozinho no lar, e então eu lia para ele às vezes, mostrava-lhe fotos. Conversávamos. Sentia uma ternura diferente por ele, agora, e lembro-me de pensar que nunca o tinha conhecido antes, porque eu era da minha avó, e meu irmão é que era dele. E isso a gente até herda: eu fiquei com o relógio de ouro e as jóias dela, e meu irmão com o carocha de 63 dele. Nesse ano de 97 eu fiz férias de Verão na vila de Coja, com a minha amiga Teresa (que tem lá família) e outras amigas nossas do liceu. Minha prima Juliana também foi lá ter. Tenho muitas sensações desse Verão: lembro-me do Moleiro (que aparece no filme "Aquele querido mês de Agosto" do Miguel Gomes) se atirar aos lindos olhos de minha prima, lembro-me de ouvir o álbum Zooropa dos U2, de estar debaixo da cascata do rio, de haver um colchão com dinheiro que alguém tinha descoberto, de beber vodka red bull pela primeira vez, da discoteca ter uma porta secreta nos fundos por onde a gente saía sem pagar. De Coja enviei um postal ao meu avô, que minha mãe achou agora na garagem da casa da costa. Acho que com os avós meio que a gente adopta o jeito antigo de eles falarem, há um respeito diferente. Esta casa da costa era a casa de férias deles, e pelos vistos foi meu pai que guardou o postal num dossier lá na garagem. Depois do meu pai morrer há dois anos, foi minha mãe quem ficou com a casa. As obras começaram a semana passada.










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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Rita Natálio

1997: mil novecentos e noventa e seta
"Para onde?"
eu, suspeita e indecisa por dizer EU,
eu e o tempo como uma barricada, inimigo provisorio das minhas perguntas
a pergunta do "Será que vale a pena?"
a pergunta de "Qual é o sentido?"
"Depois de amanhã não existo", "ontem morri", "hoje desapareci"
trança cósmica da linguagem e paixões de eu-dizendo-EU em frente do mundo
julgando, questionando, manobrando fantasmas
noventa e seta, direção do abismo
15 anos, e o suicidio presentificado nos meus gestos
noventa e sete comprimidos, estranhos pós de adormecimento

Agora penso
talvez eu tenha conseguido passar de 1997
porque sua seta me levou
para fora do EU
aprendi a ler e escrever depois de 1997?
em 1997 saltei à corda do infinito?
prometi viver de bons encontros?
tudo isso e muito mais.
e também tirei o aparelho dos dentes
e pude morder a maçã como se fosse a primeira vez

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