segunda-feira, 7 de junho de 2010

Flavio

1997 foi para mim o ano da abertura.

Até então eu era só um menino. Era um menino feliz, diga-se, feliz e interessado pelas coisas, confortado por um núcleo familiar sólido. Não conhecia a tristeza e tampouco conhecia sua irmã menor, a melancolia.

Mas foi o ano da abertura porque, olhando para o começo e o fim de 1997, isso se revela.

Na primeira hora de 1997 fiz algo que nunca havia feito e nunca mais fiz. Estava em Punta del Este com meus pais, apenas nós três. Jantamos e depois voltamos ao hotel, eles foram dormir, eu me recolhi em meu quarto. Pensei, resignado, que era 1h da manhã e eu já estava de volta ao quarto, enquanto o mundo comemorava a virada. Então escrevi em um pedaço de papel, "1 de janeiro de 1997 - 01h00", fui à frente do espelho e tirei uma foto, sorrindo, ostentando a folha em frente a mim.

Lá para novembro, fumei maconha. Foi um divisor de águas, sem dúvida. Se bem me lembro, nunca havia sequer ficado bêbado. Meus amigos mais próximos tinham começado a fumar maconha no início do ano, e para mim aquilo era estranho, então eu não comecei junto com eles. Quando resolvi que queria mesmo experimentar, já estava livre dos meus próprios estranhamentos e preconceitos. Então topei o convite para um encontro no apartamento de um amigo, seus pais estavam viajando. Ao chegar lá, todos já haviam fumado e estavam encenando uma peça, ou coisa do tipo. Me falaram que, como era minha primeira vez, não deveria esperar muita coisa. A tendência era que nada acontecesse. Mas eu estava tão determinando que peguei um baseado só para mim (estava já pronto, enrolado em seda roxa). Os amigos foram à cozinha e eu, na sala, comecei a fumar. E fumei, fumei, fumei, fumei, fumei. Quando eles voltaram, perguntaram se eu estava sentindo alguma coisa, aí então eu disse "não sei" e, logo em seguida, plim. Desatei a rir.

Naquele exato instante começou muita coisa. Durante toda a noite e madrugada vivi coisas incríveis, acessei lugares da minha infância remota, percebi meu corpo de outra forma, perdi deliciosamente a noção de tempo, rolei, dancei, escutei música como nunca antes, dei muita risada. Percebi ali que as portas do mistério se abriam para mim. Tudo era mais do que parecia, tudo era amplo e rico, cheio de novidades. Começou ali uma nova fase da vida, o gosto pelo indefinido, pelo incerto, pelo devaneio. Começou ali meu verdadeiro apreço pela liberdade.

No final do ano de 1997 viajei para a Inglaterra, para um intercâmbio de 3 meses. No dia 31 de dezembro estava cercado de amigos recém-conhecidos, mergulhado na avenida principal de Paris, entregue à vida. Não era mais apenas um menino, embora ainda fosse feliz e interessado pelas coisas. A tristeza e sua irmã menor, a melancolia, só fui conhecer muitos anos depois. Assim como sua irmã maior, a paixão, todas filhas da liberdade.

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