segunda-feira, 20 de junho de 2011

o'sevla (Cristina de Oliveira Alves)

O ano de 1997… como começar? Se estivesse em 97 diria que estava então num começo, que nada sabia, nem desse ano nem dos vindouros, sabia, talvez, que não voltaria a ser antes de 97, não sabia que seria desde aí que sou o que sou hoje, mas não voltaria a ter 26 anos, teria outros anos e seria eu mesma uns anos mais, lembro-me sem saber o como, não conseguia dizer e menos ainda fazer “Pára Cristina”, mesmo que em alguns momentos quisesse.

Lembro-me que me sentia impelida a mudar de modo radical. Escrevi nesse ano “o meu projecto vida sinto-o parado: continuo a viver em casa dos meus pais; viajei mas não vivi ainda um longo período fora do país; tenho uma relação de namoro prolongada sem conseguir descobrir novos modos de sentir, novos encantos e tenho um namorado de quem gosto muito mas ele acha que é assim que tem de ser, sem paixão, ao fim de 6 anos de relacionamento”.

Lembro-me que li o “Siddartha” do H. Hesse, o “Werther” do J.W. Goethe, depois a “Queda” do A. Camus e ainda “A vida depois de Deus” do D. Coupland, sei porque fui transcrevendo algumas passagens.

Do Camus retinha sensações do passado, se o presente parasse, «o silêncio que se seguiu, na noite subitamente parada, pareceu-me interminável. Quis correr e não me mexi. Tremia, julgo eu, de frio e de surpresa. Dizia para mim mesma que era preciso agir rapidamente e sentia uma fraqueza irresistível a invadir-me o corpo. Esqueci-me do que então pensei: “tarde demais, longe demais…” ou qualquer coisa deste género. Escutava ainda imóvel. Depois em passos rápidos, debaixo da chuva, afastei-me. Não preveni ninguém.»

Do Coupland vinham premonições do futuro, se o presente ficasse, «a seguir fiquei mesmo cheio de solidão e tão farto das coisas más da minha vida e do mundo que disse para comigo: “Meu Deus, faz de mim um pássaro… É tudo o que sempre desejei… um pássaro branco e ágil, livre de vergonha, de maldade e de medo da solidão, e dá-me outros pássaros brancos com quem voar, dá-me um céu tão grande e tão vasto que, se eu nunca quiser descer para a terra, não tenha que o fazer.” Mas Deus, em vez disso, deu-me estas palavras e eu digo-as aqui.»

Em 1997 eu sentia que era eu só mais eu.

Resolvi que tinha de aprender a cair, fiz um curso do Peter Michael Dietz, fiquei cheia de nódoas negras espalhadas pelo corpo, o espírito cheio de força, pensamentos coragem, e foi que, deixei o sonho de ser bailarina cair por terra, olhei o ar à procura do céu.

Com um nó na garganta e um aperto no coração fui ter com o meu namorado e disse que não queria mais namorar… esqueci entretanto o que inventei do lado de lá do nó, demorei a sofrer desta. Mas eu achava que se vamos enfrentar tempestades e vendavais só podemos deixar ir connosco quem tiver a mesma ousadia, não podemos obrigar quem está bem a vir e a deixar o seu bem estar. Foi uma suposição, apenas. E um esquecimento, por amor. Também esqueci em que estreito foi que, aqui sem nós, seria entre rochedos, terminei o Estágio de Advocacia e suspendi funções. Chorei, discuti muito com o meu pai e a minha mãe, a certa altura só com o meu pai, ele sem entender foi anuindo à minha anulação desse caminho profissional, eu repetia que não queria mais, disse que cumprira tudo, que mais seria demais. Ele, magoado, mas foi-me olhando com carinho. Eu, esgotada, precisava olhar um horizonte de sol largo e quente. Tomei a decisão de ir estudar o meu último ano do curso de História de Arte em Barcelona, ao mesmo tempo que decidia um futuro incerto cheio de esperança decidia também um futuro certo cheio de dificuldades, optei pelo ramo educativo de História de Arte, seria professora, talvez… talvez… talvez… talvez… tal vez…

Vi filmes, muitos filmes, eu e os meus filmes e os dos outros, no meio de uma quantas pessoas, o Porto ainda tinha muitas salas de cinema, vi o Lost HighWay no Pedro Cem.

Em 1997 eu sentia que era eu só mais eu. Eu aprendia, demoradamente, que na paixão somos todos feitos de incompetências sem sabedoria de ninguém.

Se fossem 1997 vezes algumas seriam tal qual, outras às vezes e outras coisa e tal.

Sem ser um ano fácil de lembrar é um ano determinante na lembrança, do que eu era e do que eu sou, hoje. Aliás, repito o número por espanto númerico-alfabético neste processo de rememorização. Grata Júlia de Carvalho Hansen por bater à porta desse espanto.


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