terça-feira, 25 de maio de 2010

Arturo

Às vezes sinto a violência de um tiro na cabeça ao olhar para uma folha em branco, por muito tempo escrevi a máquina como quem maneja um revólver, não que eu o desejasse assim, como se escrever fosse a morte; olhar para uma folha em branco me causa toda brutalidade deste gesto indiferente a tudo em minha volta, não que eu fosse capaz de realizá-lo, mas em 1997 eu o fiz, inúmeras vezes, sem contudo escrever uma única palavra. A escrita ainda não participava deste jogo insano. Ao menos tal como ela escrita em palavras derramadas – e quase escrevi desarmadas – numa extensão de frases sobre a página. A esta altura de minha vida eu gozava um certo cimo de dor e desencanto, a solidão narcótica era o rasgo por onde, ainda, alguma coisa podia me encontrar proveniente de uma origem que eu, então, ignorava. Era ainda o meu começo, a ilusão desastrosa de que algo podia restar abaixo de um céu que passa. A fonte dos dias não trazia testemunhas, a sua claridade sobre as folhas era igual à imensidão ferrosa que vinha recobrir a tudo de névoas mal despidas. Eu não lamentava a minha solidão, adentrava, desajeitado, no arsenal de falhas que viriam raiar na palavra desmedida... Adentrei-a o quanto pude, esgotei todo sangue que pude resguardar. Nesta insanidade conservada em poças, o torpor desfigurado arrastava as cadeiras próximas, meus olhos reviravam na cova de minhas mãos – mão e olho insensíveis às trocas do universo. Nesta absurda imensidão dormi num corpo amansado pelo tédio, éramos vazios eu e eu em um corpo duplamente enfermo. Havia momentos de prazer, todos eles, um deleitar sangüíneo e frio que amamentava as nuvens, fazia chover no rosto apaixonado... Eu sorria, acreditava que a fonte seca poderia, então, seduzir a pedra. Eu era uma contemplação de poças, uma aproximação sem ritmo e as minhas alucinações eram aquelas, suponho, do feto abortado por um relâmpago no tempo. Então, fui parturiente em meu cadáver, parturiente de mim mesmo. Tinha de parir um deus para que morresse novamente e ressurgisse na solidão que roda, uma primeira testemunha. Era claro como minhas dívidas não haviam tocado a imensidão perdida nas partes de meu corpo, a planta de meus pés era uma raiz que ria da desordem, meu riso era a roda de lábios num moinho turvo; eu mergulhava sem contar os passos, eu era esta fissura que perdeu seu nome ao limiar. Colocava os riscos e desenhava do outro lado das janelas, onde o hálito cumpria seu destino de apagar. Nas portas de um asilo em que amigos loucos regressavam eu queria então morar, eternamente sobre o campo. Descalço, acariciando o chão, dormindo naufragado em orações que desprendiam da lâmpada acesa e apagada, minha cama no alto de uma depressão solar, as florestas da infância revividas no enforcado... naquele homem lindo que desejou tocar a terra e desejou dormir cercado pelo nunca. Cajado em punho, esta terceira sombra então caminhava a sua frente, misturava-se a tudo aquilo de que então não se podia despedir.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Laura w.r.

Estava no terceiro colegial, tinha 17 anos. Pintava os cabelos de cor vemelho extra vermelho e os lençóis da casa da minha mãe viviam manchados.
Nessa época estava próxima do budismo e namorava um cara que era filho de um monge. Nós usávamos o papel de seda que decorava o templo para fazer baseados.
Não entendia nada de nada. Tocava Beatles e Cranberries no violão para aliviar o desespero.


No fim do ano, viajei com a escola para Porto Seguro, viagem de formatura. Passava os dias dormindo e de noite ficava acordada, para a infelicidade de minhas colegas de quarto. Um dia na viagem comprei um caranguejo gigante, vivo, enfiei numa sacolinha e levei para o hotel. Quando cheguei no quarto, o acomodei no cofre, que era acarpetado. Quase fui expulsa do quarto.

Prestei vestibular para jornalismo, ecologia e veterinária. Lembro de ter levado diversos amuletos para a prova: um et de borracha, dois caracóis de algum material que não me lembro.

Agradeço aos amuletos e a todas as luzes que me trouxeram dos tumultuados 17 até os atuais 30 anos.

laura w. r.

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Laura w. r.

domingo, 23 de maio de 2010

gUi mohallem

97 foi possivelmente o ano mais importante, o mais sofrido e o mais feliz da minha vida.

tinha vivido os meus quase 18 anos numa cidade do interior de Minas, de 80 mil habitantes. Em março daquele ano embarcaria numa viagem que mudaria tudo.

Fui morar em Perth, na Austrália. A capital mais isolada do mundo.

Pela primeira vez viajando de avião, longe da família, longe de qualquer pessoa que conhecesse meus pais ou meus muitos irmãos, foi a primeira vez que conheci quem eu era e vislumbrei quem eu queria ser.

Tive tempo e espaço pra me inventar.

Fiz grandes amigos das partes mais distantes do planeta, muitos eu acabei reencontrando depois.

Fiz teatro, fiz artes na escola, dirigi meu primeiro documentário, ganhei minha primeira máquina fotográfica.

Pela primeira vez entendi e disse pra mim mesmo que era gay.

97 eu saí do casulo. 97 foi a semente de tudo.

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gUi mohallem

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Breno Caio

meu 1997 está entre 1996 e 1998.

em 1996 tentei me matar e passei um mês num hospício.

em 1998 fiz minha primeira tatuagem.

1996 foi minha saída definitiva do inferno. 1998 foi minha entrada permanente no paraíso. 1997 não passou de um purgatório irrelevante e esquecível.

sobrou pouquíssimo daquela época.

eu ouvia muito (e ainda ouço) isto aqui:


quarta-feira, 19 de maio de 2010

Maria Trigoso




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Maria Trigoso

Kellen Gutierres

em 1997 eu fazia cursinho. ia para a aula na rua sergipe, todos os dias, o ritmo era intenso e eu achava aquilo tudo muito chato, tinha pavor de não passar no vestibular e ter que ouvir todas aquelas mesmas piadas de novo.
três semanas antes da inscrição na fuvest eu não sabia qual curso prestar. então conversei com meu professor de história geral, disse a ele que gostava de história e política, mas não tinha vontade de cursar história. ele me emprestou o manifesto comunista - que eu li, mas não entendi patavina - me contou o que era ciências sociais (mas eu também não entendi muito bem) e disse que achava esse o curso ideal para mim. então me decidi meio no escuro: ciências sociais. acho que foi bom, porque continuo querendo estudar sociologia treze anos depois.
no segundo semestre, o namoro com o primeiro grande amor acabou. eu sofri um pouco, mas hoje arrisco que talvez já quisesse mesmo me desvencilhar e experimentar outros gostos.
nos últimos meses do ano, a expectativa toda era o resultado do vestibular, mas passei muito bem na primeira fase, então na virada para 1998 estava tranquila, a probabilidade de ingressar era bem grande. e assim foi.
por fim, lembrar-me de 1997 me fez pensar que se passariam exatos dez anos até eu conhecer o lixandre. e você tem razão, ju: calma que a vida acontece e transborda.

Lucy Lima

Em 1997 eu tinha 13 anos. Uma cabeça bagunçada, um corpo sofrido e com muitas responsabilidades. Na época morava na casa da minha mãe, com minhas duas irmãs e meu padrasto - quem não me negava pancada. Era muito religiosa, acreditava piamente em Deus, achava que ele se vingava de mim, mas poderia vingar-se em meu lugar.
Foi um ano marcante, decidi que não seria mais nerd. Faria parte da turma do terror: as Poderosas. Esse era o nome da turminha do barulho. Jú Biscoito, Jú Baby, Fabi, Ruth e eu. Achávamos que pixar, fumar escondido, destratar pessoas em público, desafiar os professores, dar selinho na frente de todos da escola era pura revolução e marca de autenticidade. O meu projeto era a popularidade e o respeito da galera. Queríamos formar um grupo de samba. Cheguei escrever algumas letras. Mas nada saiu do projeto.
Minha mãe e meu padrasto estavam desempregados. Comíamos o que recebíamos de doação da família. As roupas que usávamos tinham a mesma fonte. Quem cuidava das minhas irmãs era eu. Uma tinha 2 anos e a outra 7. “Minhas crias”. Além disso, tinha de cuidar de toda a casa. Minha mãe estava em depressão e meu padrasto só colaborava com as críticas e perseguições.
Eu era muito gostosa nesta idade. Quem me assediava eu não queria, a maioria maloqueiros das bocas de fumo. Muita adrenalina. Foi o ano do meu primeiro beijo na boca e a primeira vez que refleti sobre a possibilidade de ser bissexual.
Lia escondido. Meu padrasto nos forçava ir dormir muito cedo, eu pegava um livro e colocava embaixo das cobertas. Quando ele ia ouvir rádio em seu quarto, eu lia com a luz que entrava pela janela. Na época lia qualquer coisa que chegasse a minhas mãos.
Também foi o ano que tive aula com o Professor Agnaldo. Lindo, inteligente, sensível, romântico e um negão muito do gostoso. Dizia que eu tinha muito potencial. Deveria deixar de me dedicar à bagunça e procurar ser mais de acordo com minha essência. Como não sabia como era essa tal essência disse a ele que procuraria independente do tempo que pudesse levar. Lembro deste professor com muito carinho, ele parecia entender o que eu estava passando. Seus olhos brilhavam ao ler uma poesia.
O futuro desta época foi diferente do que imaginava. Como hoje muitas coisas já são passado, sei que extrapolei o que foi previsto para mim. Muito estranho rememorar...

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Lucy Lima

Nuno Ramalho

júlia, sobre 1997:


ainda existiam pessoas que pensavam que eu era uma gaja (dava jeito para entrar em certas discos sem pagar, ou usar os WC das mulheres para desenrascar).


beijos,

n

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Nuno Ramalho

Ana Pi

em 97 tinha dez anos, vivia com piolhos que transitavam em alternância entre a sua cabeça e a de seu pai, que a buscava a cada fim de semana para assistir filmes de arte no antigo cinema nazaré da rua guajajaras em belo horizonte, a única vez que ousaram assistir algo mais pop, titanic, acabaram mudando de escolha e viram amistad, pois a sessão estava lotada.

tinha duas fixações, seu super patins roler com rodinhas de poliuretano e fazer 'cosquinhas' na barriga da sua mãe que estava grávida do seu irmão mais novo, gabriel, cujo nome, ana, que ainda era 'ana carolina moura de oliveira', escolheu em acordo com seu padrasto. sua grande amiga era a junia, a moça quem cuidava dela, suas diversões juntas eram fazer salada de carambola, cortar estrelinhas, e ligar para a rádio e oferecer música uma à outra, até o dia em que junia a ofereceu 'brucutu' de roberto carlos e esta seria imbatível, virou hit

nesta época ia de ônibus sozinha para a escola, estava na quarta série e estudava numa escola publica no bairro eldorado, mas já tinha se mudado para o barreiro, sempre mudava, sempre. a independência começava, mas nem tanto, um dia sua mãe pediu para que ela comprasse alface no sacolão, mas ela trouxe repolho, tirando isso adorava fazer o percurso tocando as campainhas dos vizinhos. e gostava de quando vizinhos novos se mudavam para o condomínio para junto com luiza [sua primeira melhor amiga da vida] aproveitarem o papelão para escorregar na grama inclinada que havia entre um bloco de prédios e outro.

um dia carol [uma outra amiga] a aterrorizou profundamente dizendo que quando o gabriel nascesse sua vida seria um inferno e que sua mãe se esqueceria dela, mas ana nem 'tchum' até quando ele realmente nasceu, ela pegou catapora e foi mandada uma semana ou mais para casa da sua tia tidinha que a mergulhava em banhos com um pozinho roxo e pasta d'água depois.

nesse ano fez onze anos, ia se mudar para o colégio católico particular do novo bairro e estava ultra animada, sua mãe continuou não passando nos infinitos exames de direção, seu padrasto atropelou um cachorro e ela teve toda a raiva do mundo por causa disso, uma chuva fez desmoronar a grama inclinada do condomínio, ela caiu de barriga quando andava de patins de costas e o seu pai roncou muito no outro filme pop que eles tentaram assistir que ela nem pôde se concentrar.

começou a gostar de tarô e das pedras semi-preciosas do brasil graças à sara, a cabeleireira da sua mãe na época, ana fez relaxamento no cabelo e seu pai ficou decepcionado. seus pais brigavam sempre, ana planejava estratégias minuciosas de evitar as brigas, um dia disse à sua mãe que queria morrer e sua mãe a colocou de castigo.

fez também ginástica olímpica neste ano com um professor histérico, tentou participar do coral da igreja, ideia da mãe da luiza, não durou nem dois domingos.

tentou fumar e não conseguiu, se viciou em cachorro-quente. frequentava as festas da turma de mestrado da sua mãe e odiava caetano veloso, pintou junto com o seu pai uma tela à óleo que integrou a primeira exposição individual dele na biblioteca publica perto da praça da liberdade, seu irmão foi e todos diziam que ele era filho do chico césar por causa do seu cabelo no meio, era engraçado, ana amava o cd aos vivos do chico césar, havia cd nessa época, isso era incrível.

gostava dos trovões nas chuvas do barreiro e queria muito ter um cachorro.

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Ana Pi: seu blogue e seu flickr.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Cristina Regadas

Em 1997 estava no mercedes.

Queria ir para a Bélgica.
E fui.

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Cristina Regadas: seu site e seu flickr.

Pedro Carvalho

Em 1997, eu estudava no Equipe e era conhecido como Pressuposto (Pressupa para os chegados). Nem me perguntem como surgiu esse apelido.
Andava de chinelo e matava aula pra fumar um na marginal, ou andando pelas ruas da Vila Madalena. Namorava com uma delicada moça chamada Lara, adorava a escola, ouvia muito Jorge Ben, Novos Baianos, Caetano e Gil. Meus melhores amigos eram o Foca e o Fil.



Queria prestar Psicologia, mas acabei fazendo Letras. Trabalhava numa casa noturna de forró chamada Espaço Equilíbrio e toda quinta comia pastel na feira.
Acreditava ser muito esperto, descolado e de esquerda, como se essa combinação me colocasse acima (bem acima) da média dos mortais paulistanos da zona oeste. Aquelas certezas dos dezessete, sabem?
Cantei "Vai passar" na minha formatura. Conheci a primeira astróloga da minha vida, mãe do Fil: Virgínia Pinheiro.

Ana Rüsche

não tenho muita vontade de me lembrar de 1997. 18 é número ingrato pra qualquer pessoa – é uma eterna possibilidade de adulteza que nunca se concretiza. umas 7 turmas diferentes de amigos, nunca poderiam freqüentar a mesma festa. minha cabeça mesmo tinha umas 7 personalidades diferentes, cada uma bem firme nas certezas de suas opiniões.

ano de cursinho. adorava o cursinho, ficar trancafiada numa sala com 120 outros adolescentes num barco estranho, aos gritos, ao silêncio profundo, aos ranqueamentos, às paixonites ridículas, uma pra cada um dos 7 dias da semana.

mas sabe que tinha uma concentração que hoje invejo? pois sim. guardava tudo na cabeça. agora não. não mais. era boa aluna e isso bastava ao mundo. a mim mesmo nada bastava. a insuficiência de existir. isso de ter 18. eterna reclamação passageira de estar no meio, entre o limbo e o lugar nenhum. ainda escrevi uns poemas. todos os anos são dias para escrever poemas.

Courtesy TerritorioScuola


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Ana Rüsche

Drica Cruz

nesse ano eu me formava na faculdade, trabalhava em uma emissora de televisão vestindo apresentadores, namorava o menino que trouxe a música definitivamente na minha vida e tinha cabelos com cortes e cores duvidosos ( segundo meu pai). também fiz minha primeira tatuagem. adorei lembrar de tudo isso, mesmo porque, para lembrar de 1997 tive que fazer uma pesquisa, haha. melhor foi lembrar que foi um ano importante demais e estava esquecido. de repente ficou tudo fresco: lembro de ouvir jesus&mary chain no chão, encostada na cama, no quarto da casa dos meus pais, assim como VELVET, drugstore, music machine, trogs e the seeds. resolvo fazer meu tcc baseado na influência musical do seeds e toda psicodelia. compro briga na faculdade, o tema tinha que ser "brasileiro". sim, eu já ouvia música brasileira e gostava muito de tudo que gosto até hoje: caetano, gil, mutantes, etc. ouvia a coordenação falar: e por que não mutantes? eu queria seeds! eu ouvia seeds com som e sem som, lisergicamente pelas ruas e madrugadas aonde começávamos a noite no retrô de roberto cotrim, na santa cecília, e de lá íamos em caravana da coragem para o hell's club. saíamos de lá 11 da manhã, pegávamos um ônibus para o embu ou para qualquer ponto final, não importava, eram tantas as praças, eram tantos os parques, eram tantos os gramados, as risadas, as catuabas e os litros de chapinha. tudo estava apenas começando e o fim de semana era eterno, haha. " the march of the flower children" nos guiava para onde fossemos - - haha. muitos amigos trago comigo até hoje, outros ficaram perdidos nos anos. o rapaz da música ainda mora no meu coração, com todo respeito que lhe devo. e sou muito feliz por tudo que ele trouxe. acho que além da música , também os desenhos. acho que além dos desenhos, uma forma simples de viver. algo que talvez eu tenha esquecido. (desculpa, Free, eu fiquei gente grande demais. não foi culpa minha. haha). lembro da mini-saia e das meias rasgadas, ligadas por um fio. lembro dos casaquinhos achados no asilo "bezerra de menezes" na penha, lembro de um adesivo enooooorme do kinder ovo grudado no teto do carro da lavinia e lembro do roberto puxando vazamento na pista de dança do retrô em dia de chuva com o rodinho. lembro de gangorras e balanças , e de percorrer o minhocão inteiro de madrugada. queria morrer quando pegava o metrô já de manhã e dormia no banco, acabava parando em corinthians/itaquera. acho que foi isso, nem tão isso mas resumidamente isso. e a festa nunca terminou.

um pouco de sky saxon pra vc:




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Drica Cruz

Vi

Em 1997, eu. Segundo ano da faculdade de letras da ufrj, ilha do fundão ou algo próximo do cenário apocalíptico. Detestava, achava tudo fraco, bagunçado, feio, quebrado, sujo, poluído, sem falar em toda aquela fonologia, morfologia, e um latim que foi mesmo para que eu nunca mais soubesse latim, ueritas, ueritatem, ueritate. Em uma aula fomos a um laboratório em que tínhamos que falar ‘cadeira’ numa máquina e analisar as frequências do gráfico. Eu ia de ônibus, levava 1 hora até a faculdade, um ônibus abarrotado de gente dentro, ia amassada na porta, às 6 da manhã, para chegar lá e ver aquilo.

Nas férias do início do ano tinha me apaixonado por um estudante de arquitetura 8 anos mais velho, na verdade, claro, não tínhamos nada em comum, ele era louco, bebia todas, fumava todas, era engraçado, e lindamente moderninho, metido a artista, paixão platônica durante meses, antes de conseguir me aproximar e vermos, os dois, que não, não dava (mas isso foi só no ano seguinte). Acho até que ele me fez bem, porque eu mudei muito na direção dele.

Quando pensei em 1997, achei que tinha sido um ano triste, e não sabia bem o motivo, mas, sim, eu morava numa casa horrível com a minha mãe, era a nossa época ainda de muita dificuldade de dinheiro. Era uma casa emprestada de uma tia avó, tinha um quarto só, e minha mãe juntava cada um dos centavos para comprarmos a casa em que ela mora hoje. Mas antes, naquela casa, lembro que numa noite um rato subiu na minha cama e que enquanto eu tomava banho às vezes saia uma lacraia pelo ralo. Logo nos mudamos, mas até hoje eu tenho ainda uns pesadelos com aquela casa.

Ah!, em 1997 nasceu meu irmão mais novo por parte de pai, fui com a minha amiga mais próxima para Belo Horizonte de ônibus para conhecê-lo, foi muito divertido, rimos muito na viagem. Cheguei lá e ele era tão pequeno, tão pequeno, que li Hamlet, para uma aula da semana seguinte, com ele no colo e ele ficava emboladinho entre o meu queixo e o meu umbigo.

No fim do ano fiz meu segundo vestibular para jornalismo, antes da última prova, depois de ter feito muito bem todas, eu acordei e pensei ‘eu vou passar’. Então me sentei na cama e decidi não ir à prova (que era literalmente do outro lado da rua), me deitei e voltei a dormir. Passei uns anos achando essa uma decisão sem nexo, mas foi imensamente sábia. Depois veio um dos melhores fins de ano que passei na fazenda, e 98.

Lúcia Prancha



hits dos 90´s!
teenager dançarina

Lenina Mesquita

Concluí o segundo grau em 1996. Lembro-me das últimas provas que fiz, barriguda, bem barriguda aos seis meses de gestação.

Meu aniversário de 18 anos, em 18 de dezembro daquele ano, simbolizava o fim da adolescência, a iminência da vida adulta, da maternidade e do novo ano.

Aquele foi o reveillon mais intenso já vivido por mim. Um sincretismo de felicidade e tristeza, confiança e medo, determinação e incertezas surgiu num episódio íntimo, à ser mantido na privacidade daquele momento.

Lembro-me bem de lamentar a morte de Chico Science e, dois dias depois, comemorar a chegada do meu rebento, numa segunda-feira de carnaval.
Experiência maravilhosa esta!

Um mês e meio depois peguei um avião e vim passar um tempo em Recife e João Pessoa com o meu filho.
Fiquei quase dois meses no nordeste, me fortalecendo através do carinho da família e a sabedoria de minha avó.

Neste período minha tia trabalhava num posto de saúde em Cabo de Santo Agostinho, que atendia a população carente, grande parte cortadores de cana-de-açúcar. Um dia a campaínha toca no final do dia, quando vou atender vejo minha tia com um bebê de 3 dias no colo, que a mãe havia abandonado num banco do posto no momento em que a ambulância chegou para levá-la de volta à roça.
Foi assim que ganhei mais um primo entre os quase 40 que tenho só desse lado da família.

O ano todo foi um reflexo dos seus primeiros minutos.
Era impossível me dar conta, naquele momento, das transformações pelas quais passava.

E ao final daquele ano, mais uma experiência forte simbolizava uma nova fase de mudanças. No natal de 1997, pela primeira vez bebi o "vegetal" no Sítio Sollua e então comecei minha viagem sem volta às profundezas do meu interior.

Certamente este foi o ano mais intenso da minha existência.



Marcio Leandro Oliveira

Em 1997 eu fui pra faculdade. Minha primeira e inconclusa faculdade. No final do ano anterior eu só pensava em continuar na escola. Não que eu gostasse de aulas, mas gostava da escola, das pessoas que estavam lá, de conviver com elas. Por não gostar de aulas, por achá-las chatas e insuficientes, sempre fui um aluno nota c. Talvez por isso mesmo eu gostasse das aulas de arte e de educação física. Tinha 18 anos e, vigor e mais vigor, acabei me achando no esporte e, como não poderia continuar na escola – birra – acabei optando em prestar vestibular pra Educação Física. Na faculdade, que era física, mas também educação, descobri que existem muitas formas de se ensinar e que, na verdade, eu nunca tinha me adaptado aos métodos escolares por que passei. Enfim, descobri que não era tão burro quanto imaginava.

1997 foi também o ano em que eu tive uma banda. Eu adorava porque tocava com uns caras que eram bons. Eu ficava admirado como pra mim era tão difícil executar as combinações de notas nas teclas brancas e pretas, mas pra eles a música saía tão fácil... acho que eles só deixavam eu tocar com eles porque eu tinha um teclado... Assim como na escola, eu gostava de estar com eles, tocar com eles, mas odiava ensaios, estudos solitários... a gente fez alguns shows, tapinhas nas costas, holofotes, aprendizes de grupies mandando beijinhos da platéia... eu adorava aquela vida. Mas música exige esforço pra quem não é tão bom naturalmente e foi aí que eu descobri que eu não gostava tanto assim de música pra me dedicar. Me lembro do guitarrista da banda me vendo tocar e dizendo: “você é um desperdício. Tanta sensibilidade e tanta preguiça”.

A vida era o agora e em algum momento, não sei qual momento, deixou de ser. 1997 era um pouco antes do ano dois mil e era preciso urgência porque... vai que o mundo acaba...

Em 1997:

A princesa Lady Di morreu num acidente de carro no dia em que eu completava 19 anos.

O Fluminense foi bi-rebaixado no campeonato brasileiro.

Comi um space cake. Foi minha única experiência com alucinógenos.

Ouvi pela primeira vez Kind of Blue, do Miles Davies.

Li Cem Anos de Solidão.

Vi pela primeira vez um filme do Pasolini.

Pela primeira vez, de verdade, me apaixonei.

No terceiro dia do ano chegou lá em casa meu gatinho siamês, Nicolau. Ele está comigo até hoje.

Carol

mil novescentos e noventa e sete...e de repente não mais que de repente já é dois mil e dez, neném!

pois é.

1997.?... 1997...

já lá se vão 13 anos desde que:

O povoado Aguada de Cima passou a ser vila e, por sua vez, as vilas de Sacavém, Queluz, Alcácer do Sal, Fátima, Sines e Vila Nova de Foz Côa passaram a ser cidade. | madre teresa de calcutá morreu. darcy ribeiro e betinho também. | é o ano em que cinco jovens de classe média de Brasília ateiam fogo ao corpo do cacique pataxó Galdino Jesus dos Santos, que morre por causa das queimaduras. | É assinado o Tratado da União Europeia, na cidade holandesa de Maastricht. | primeiro disco da Ivete Sangalo!

é o ano de Titanic. Lembro que não fui ao cinema, e acabei assistindo I'm flying Jack! na microtelevisão lá de casa. Terminei o filme e o prato de brigadeiro naquele orgulho besta e adorável da adolescência, falando mal do cinema espetáculo, das histórias de amor estereotipadas, ainda que estivesse doidinha para viver uma.

fazendo as contas, percebo que foi quando completei meus 15 anos e naquela altura, a turma toda fazia 15. Manu e Joana eram as grandes companheiras e ainda são, porque as coisas, como as vivi nessa época, transformavam os grupos em irmandades e aquelas que sobreviveram tornaram-se as irmãs de agora. então manu, joana e eu mais não fazíamos do que ir em milhões de festas de 15 anos. Toda a pompa: vestidos com rodas, corpetes, meninos de terno e gravata. todo mundo criança, mas a fantasia de adulto combinada com bar aberto era o que de melhor a gente poderia viver naqueles tempos. dançar a valsa, ir ao cabeleleiro, ficar toda arrumada para começar a festa linda e terminar o mais desastrada possível (acho que a diversão funcionava por contraste: quanto mais alto era o salto, mais rápido ele acabava jogado num canto qualquer, e, na hora de ir para casa, era carregado - e não vestido - como um troféu da boemia). o clássico era sair dessas festas e ir vestida de princesa borrada de maquiagem para a padaria tomar café e pão com manteiga. era a glória chegar em casa levando pão.

delírio, meu! delírio! palinha da trilha sonora:





segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mayana Redin

em 1997 mau humor constante e, paradoxalmente, o primeiro beijo.
foi no verão - claro - na praia; na frente de uma igreja, com um moleque qualquer que tinha se engraçado. odiava colégio, odiava o rio grande do sul, gostava dos professores. era neutra, não tinha personalidade, tímida e estranha, óculos, aparelho fixo, e problemas com o peso.
passava muito frio e ainda tinha sotaque mineiro. era estrangeira, e adolescente.

preferiria contar algo ainda dos anos oitenta quando tudo era mais bonito.
mas como a brincadeira é 97, aqui estou, quase numa rememoração melancólica dos anos 1997, quando a vida era quase somente a maldita escola que estudava e outras coisas que, sem saber que poderiam se tornar algo interessante na minha vida, eu deixava passar porque nao era muito "interessante" no meio em que vivia. a música, por exemplo. tocava violão e aprendia tudo que queria com a vontade de uma criança.

esses dias um amigo do colégio (dessa época) descobriu que éramos vizinhos no novo rumo das crianças de 97 que viraram adultos em 2010. ele me falou: "você era uma entusiasta dos esportes!". fiquei chocada com aquela imagem que ele tinha de mim, mas era real: eu jogava.
era uma jogadora. nao mudou muito hoje, mas agora acho que jogo outras coisas.

jogava vôlei, times femininos e toda uma função competitiva que sentia nenhuma capacidade de acompanhar. mas era a levantadora oficial do time. uma função bem poética: quase terapeuta do time: eu botava a bola pra cima pras outras fazerem o ponto. era uma coisa que sempre me chamava atenção. todo erro era meu, e todo acerto, era delas.

acabei tomando gosto pelo erro, e desandei para o mundo da decepção: a arte e o gosto pela tentativa. a diferença agora é que a decepção é matéria de criação. antes, era matéria de opressão. gosto mais desse outro jogo.

ainda assim, até hoje, é o unico sonho que se repete daquela época: eu de novo numa quadra de vôlei, com uma treinadora irritadiça do meu lado, histérica. imagino que seja sintomático de épocas nervosas, quando repito os mesmo sintomas daquilo que aprendi com a rudeza de uma cidade alemã, fria e nervosa.

sinceramente, preferiria ter ficando com as memórias do beijo, mesmo que errado, torto, estabanado.

1998, já, foi bem melhor.

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Mayana Redin: em seu flickr e seu blogue.

Marcos Visnadi

Em 1997 cinco adolescentes botaram fogo em um índio que dormia num ponto de ônibus em Brasília. Eles fizeram isso porque achavam que fosse só um mendigo. Era Dia do Índio.

Na aula de Educação Artística a gente teve que fazer um desenho que demonstrasse a união das três culturas pra formação do povo brasileiro. Eu desenhei um soldado português sentado embaixo de uma árvore comendo feijoada com uma pena na cabeça.

Minha única amiga era a empregada doméstica, que era como uma irmã pra mim e por quem eu tinha muito amor - o que não impediu que eu dissesse um dia pra ela que EU era o patrão.

Eu tinha nojo de pele negra e tinha vergonha de admitir isso.



(essa é a minha escola, vista de dentro e pela Secretaria de Educação do Estado.)

Eu editava o jornal da União Presbiteriana dos Adolescentes, da qual eu também era secretário de espiritualidade, minha primeira função pública.

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Marcos Visnadi.

Tata Marques

Eu estava na oitava série e era magra, mas me achava gorda. Era mais alta que todas as colegas de sala e pensava que isto era uma coisa muito ruim, provavelmente porque os meninos crescem depois das meninas e, naquela época, eles eram ainda muito menores que eu e, talvez por isto, sentissem maior atração pelas baixinhas. Acho que foi naquele ano que eu decidi que só me olharia no espelho quando fosse estritamente necessário, ou seja, para espremer cravos, para prender o rabo de cavalo e para escovar os dentes.

No início de 1997, a pessoa com quem eu mais conversava era comigo. Meu passatempo, em casa, era tocar violão e ouvir música de todo tipo. O Luís me apresentou a Marisa Monte, numa reunião na casa dele. Escutei ‘De Mais Ninguém’ no meio da balburdia, com o ouvido grudado na caixa. Quando a música acabou, nem dei tchau. Fui embora e passei o final de semana tentando tocar aqueles baixos, em seis cordas; Na escola, meus passatempos eram ler Dostoievski durante as aulas de ciências e desenhar os professores em trajes engraçados nas demais: o Flávio, por exemplo, que era gordinho e dava aula de geografia, fiz virar bailarina. O legal disso era que os desenhos rodavam de mão em mão - sem assinatura, claro - e todo mundo reconhecia que era o professor que dançava balé com as banhas saltando por entre o top e o saiote cor de rosa.

Na hora do recreio, meu lugar preferido era o banco que ficava debaixo da sirene. Eu me sentava sozinha e ali permanecia até o fim, mesmo que grupinhos ocupassem o resto do espaço do assento e sem uma palavra direta me pressionassem a retirada. Eu era firme. Quando acontecia de eu chegar tarde e o espaço do banco já estar todo tomado, eu me encostava à parede ao lado e ficava estanque, sozinha no meio dos outros, sem dizer uma palavra.

Os mais velhos da escola sempre tiveram autoridade para expulsar os mais novos dos lugares que escolhiam para si. Não estava escrito, mas era lei. E, depois de algumas semanas de aula, naquele ano, a turminha do terceiro ano escolheu o meu banco. Passaram a chegar em bando, carregando merendas industrializadas, pacotes de guloseimas, gargalhadas, assuntos da noite passada, e quase me engoliam, mas eu não saía. Foi assim até que, quando eles deram por si, eu ainda estava ali todos os dias.

O Sebastião era desse grupinho do terceiro ano. Ele tinha cabelos claros e cacheados como os do Pequeno Príncipe. E também tinha olhos azuis e parecia um tipo de líder, porque todos falavam alto, menos ele. Quando o Sebastião abria a boca, a euforia dos outros diminuía para dar ouvidos, e eu achava aquilo muito importante. Ele era bem mais alto que eu, e era educado. E foi o Sebastião quem, do grupo dos mais velhos, primeiro conversou comigo. Ele comia biscoito recheado de chocolate, e estava sentado ao meu lado, tão apertado que o braço dele, sem querer, acotovelou o meu. Então, ele pediu desculpas e perguntou meu nome. Eu respondi com a voz baixinha que eu tinha na época: Renata. Mas ele perguntou muito calmo outra vez, por não ter entendido ou ouvido, e eu repeti gritando como faço hoje: Renata! E, por obra do acaso, ou porque todos se calavam para ouvir Sebastião, aconteceu de ser num daqueles momentos em que o mundo pára pra respirar e só a gente é que fala e faz barulho. E, desde aquele momento, eu fiquei apresentada aos mais velhos todos de uma vez. E ele me ofereceu um biscoito. Eu aceitei, mas não abri pra tirar o recheio primeiro, como era de meu costume, porque fiquei com muita, mas muita, mas muita vergonha mesmo de ter alergia a chocolate. Comi e não fez mal.

Em 1997, foi este grupinho que me fez companhia na hora do recreio, até o fim do ano. Embora na maior parte do tempo eu olhasse para o nada e permanecesse calada, estávamos ali sentados no banco debaixo da sirene. E eles me cercavam e, de vez em quando, até pediam minha opinião nos assuntos deles.

Em 1998, essa turma se formou, saiu da escola e eu nunca mais vi aquelas pessoas. Era um grupo de muitos rapazes maiores que eu, mas, basicamente, lembro o nome do Sebastião e de uma menina só, que andava com eles, além de mim. E o nome dela era Alexandra. Eu sentia muito ciúme da Alexandra, porque pensava que ela fosse linda em maior grau que eu (que praticamente não me olhava no espelho desde o ano anterior) e porque demorei muito tempo para saber que do Sebastião ela era só prima.

Em 1997, eu nunca tinha beijado ainda, e sonhava que seria o Sebastião, meu primeiro beijo. Não foi. E eu não contei do meu sonho a ninguém, mas acho que se eu tivesse contado o Sebastião me beijava. Depois disso ainda fiquei anos esperando a hora de beijar, diga-se de passagem. E eu tinha uma amiga, da outra escola que eu freqüentei em 1996, a Suzana, que sempre que me encontrava, perguntava: e aí? Ainda tem a boca virgem?

Aos quatorze anos, minhas preocupações eram o violão, uma banda de rock que eu começava a formar com uns meninos que pareciam bonzinhos e só por isso minha mãe deixou, meus desenhos e meus ideais de mudar o mundo em mim.

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Tata Marques

Paulo Mendes



JULIA,

em 1997 ouvia muito BECK do álbum que ele tinha editado no ano anterior...

http://www.youtube.com/watch?v=NHYVkPHbaPo


beijo grande,
p.m.

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Paulo Mendes

Giu

Eu tinha 16 anos em 1997. Adolescência é uma vastidão de sentimentos, difícil saber narrar numa linha só, quando eu penso vira uma teia.

Morávamos apenas eu e minha mãe, e minha vida era escola e igreja. Estava no 2º colegial do Arqui, fazia humanas, só porque queria estar perto dos amigos nas aulas: sabia que tentaria Farmácia no vestibular. De brinde, aprendi filosofia e descobri Sartre, que colocou em xeque toda minha crença católica.

Neste ano, eu parei de andar tanto com meninas e me aproximei mais do Hilbert, meu companheiro fiel e inseparável até hoje. Passávamos as aulas eu, ele, Edson e Richards, escrevendo numa folha, uma espécie de chat analógico. Neles, a gente colocava apelido em absolutamente todos os alunos e professores e fazíamos piadinhas. A vingança dos nerds, não éramos descolados, éramos os esquisitos.

Lembro de ter ficado entre os 20 melhores alunos daquele ano, contra a minha vontade, não era aquela paranóia de competição que eu buscava. Comparar notas e modelos de tênis. Era muito opressivo e cruel aquele colégio, era muito grande, 500 alunos só da minha idade. Comprava muita briga, não deixava barato, mas chegava em casa e chorava muito.

Lembro de um trabalho de Literatura com Capitães da Areia, a gente fez um teatro de fantoches. Eu ainda fazia teatro, é verdade, ele me ajudou muito.

Já sofria de paixões platônicas e romanceava tudo. Quando eu finalmente consegui esquecer o Fabiano, que nunca me deu bola, e passei a gostar do Denis, seu melhor amigo, o Fabiano se declarou pra mim. Os desencontros. Eram meninos da igreja, eu estudava pra me crismar muito mais por eles do que por qualquer coisa.

Minha primeira sobrinha, a Luiza, nasceu já no 5º dia de 1997. Apaixonada, passava depois da aula todos os dias para vê-la. Almoçava, tomava um copão de nescau e dormia a tarde toda. Acordava pedindo dois pães na chapa pra Tiana, funcionária da família que cuidou até da minha bisavó. Meu irmão e cunhada não entendiam como eu funcionava daquele jeito.

No meu aniversário, em junho, frustrada por não ter tido uma festa de 15 anos ou uma viagem pra Disney, minha mãe me deu o melhor presente: chamou todos os meus amigos e contratou uma serenata, pra tocar "Tempos Modernos". Eu ouvia muito Barulhinho Bom, da Marisa Monte, e já me permitia.

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giuliana xavier é uma das grite poesias.

José João

:)
na altura actrizes agora já não são
estavam as duas grávidas de 8 meses o mês passado!
mas uma já tem 2 filhos
nunca mais se viram desde esta foto que foi tirada em 97 em NY...
bjns





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josé joão

Yoanna Bo

Em 1997 eu estava indo pra quinta série. Acho que me apaixonei por um professor, ou nem tanto porque ele - professor de história - era casado com uma professora de matemática. Eu sentava nas primeiras fileiras, era uma ótima aluna. Lia livros de história medieval e depois ia conversar com ele, nos finais das aulas, sobre como seria a vida em outras épocas.

Naquele ano eu tive síndrome do pânico. De repente, não podia mais ficar sozinha. Eu pensava que espíritos brincavam comigo fazendo cair coisas. Elas caíam mesmo, se me atormentavam, quem fazia isso, não sei. Eu já estava ficando doente. Uma benzedeira que tinha um quintal de arrudas disse que essas coisas acontecem somente se a gente permite. E minha mãe, muito ingenuamente, querendo confirmar a opinião da mulher, me contou a pior história de possessão que eu certamente ouvi na vida.

Fiquei o ano todo mal, tomando banho acompanhada, indo ao banheiro acompanhada. Passar dois segundos sozinha já era o suficiente pra eu perder a noção de mim mesma, começar a berrar sem parar enquando eu mesma pensava: preciso parar de gritar, preciso parar, eu não consigo. Como se eu fosse duas.

E então eu tive um sonho do qual eu sempre me lembro muito bem. Eu sonhei que alguém pôs as mãos na minha cabeça, em seguida minha mãe. E me foi dito que eu não sentiria mais medo de nada. E nunca mais senti. Acordei sabendo que eu poderia enfrentar qualquer coisa e talvez isso até tenha me transformado numa fearless. Desse ano em diante eu passei a respeitar profundamente os sonhos.

No final de 1997, entreguei uma carta de despedida para o professor de história, que sairia do colégio. Disse a ele que eu seria professora de história, graças a ele. Bom, eu virei professora de sociologia e as primeiras aulas que eu consegui foram de história. E a história permaneceu profundamente na minha vida.

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yoanna bo, via comentários.

Bernardo RB

Mil novecentos e noventa e sete tttttttt Belo Horizonte, 1997

Nessa época eu achava que música eletrônica era uma utopia. Eu até tinha um fanzine independente chamado Delirium, sim, grande delírio, o papo raver de “paz, amor, união, respeito”. Eu tinha 13 anos e, quando conseguia sair à noite, era realmente ótimo. A internet era totalmente diferente e eu adorava ler as coisas do www.hyperreal.org, que eu nem tava lembrando, mas existe até hoje.

Vejo o delírio como uma coisa positiva, quando podemos ver. Em 1997 estudava no Colégio Santo Antônio, sob uma direção que impedia os alunos de usarem colares com design da folha da cannabis sativa. O argumento era que a polícia estava apreendendo aqueles materiais. Se quisesse meu colar de volta, minha mãe tinha de ir lá buscar. Há um tempo atrás, essa instituição foi escolhida como número 1 pela revista Veja BH. Era outra direção, mas isso diz muito sobre um certo tipo de delírio.

Naquela época, eu ia tipo de mês em mês na psicóloga do colégio, porque sempre arrumava alguma discussão com professor. Sentava lá com ela e inventava toda uma vida que poderia ser, mil idéias, amigos e viagens.

Ela escutava com uma cara super séria, confirmando tudo o que eu dizia com a cabeça. Talvez ela visse sim que era tudo mentira, mas também ansiava por acreditar em alguma coisa, por clarear o dia com uma ficção. Sair daquela banalização de psicóloga, ou chatice escolar.

Minha mãe, que tem a mesma profissão e sempre me alerta sobre aqueles que sabem reconhecer tudo, foi essencial pra mim em 1997. Ela foi chamada à escola e, após conversar com a psicóloga, decidiu que tínhamos que sair dali rápido. Eu jamais conseguiria tomar essa decisão, sempre achava que tinha que agüentar pesadelos, que a escola sabia e tal. Foi o final de 1997. Devo ter ido em alguma festa pra comemorar.

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b

Eduardo Sguerra



Em 1997, na Florida, criei um imaginário de mulher que só existe lá. Silicone no peito, na bunda, na boca. Biquini asa delta rosa flúor e camisetinha colada com estampa do Mickey, loiríssimas, ou negras musculosas. Todas com uma cara meio de vadiona, de patins in-line, chupando sorvete pela Ocean Drive. Eu tinha 13 anos e adorava estar entre estas mulheres bonitas e sorridentes, ouvindo um funkão direto das caixas de som de um conversível qualquer, na beira da praia.

Marta

1997 foi para mim um ano cheio. Me casei com seu pai, quando já estávamos juntos havia 19 anos. Me aposentei, comecei a trabalhar em outra universidade.

Foi um enorme salto no escuro, um enorme alívio e um sentimento forte de chacoalhar o peso de tanta coisa passada e começar outra vida. Eu me lembro de dizer pro seu pai, lá na Praia do Forte (em janeiro?) que me sentia como se tivesse dado um enorme salto, de uma borda pra outra de um enorme precipício e que estava ainda, cansada, ofegante, meio assustada, mas pacificada, agarrada na superfície de pedra do outro lado, com o sentimento forte de ter dado conta de um pedaço da minha vida, de ter me desvencilhado, mas de estar ainda agarrada na pedra, a salvo de tudo o que havia deixado para trás. E ainda tentando não cair no precipício, me segurando forte.

Estava entrando em outro trabalho e tinha uma enorme esperança e muita garra de lá encontrar a maneira de coincidir comigo mesma. E foi muito muito bom nesse ano e no seguinte. Ainda em 1997, virei avó. Viajei não sei bem para onde e quando cheguei você queria mudar de escola. Que mês foi?

Em minha memória tinha espalhado tudo isso, de modo mais intervalado, pelo tempo. É incrível pensar que tudo isso aconteceu em 1997. Achava que entre a Praia do Forte (quando ganhei aquela aliança de golfinhos e me senti noivando) e o casamento, teria se passado mais de um ano. E não punha no mesmo ano (no mesmo trimestre, aliás) tudo isso.

Tive vontade de lhe dizer tudo isso.

Eduardo Sinkevisque

MEMO 1997

Júlia, este é um poema em prosa, bilhete para você. Encontrei, ontem, na minha caixa postal, a surpreendente proposta de fazer memória de 1997. Topei de imediato. Agora, faço.

Antes uma observação:

ao andar por ruas de Santana, onde moro, vi, no chão um pequeno envelope cor-de-rosa, escrito em branco: um presente – Casa de Menina – para você. No verso do envelopinho um selo que diz: agora com autoclave.



Como Santana é bairro de São Paulo com muitos moradores vindos de Portugal, ou de descendentes de portugueses, e autoclave me lembrou autocarro, palavras muito lusitanas, pensei: o presente é português.

O envelopinho deve ter sido de neta de português. Não importa.

Importa que minha memória de 1997 tem a ver com Portugal e Portugal é presente para você.

A relação de interlocução assim se constitui: Portugal para mim, que converso com você, em memória. Portugal para você, que conversa comigo, no presente.

Então, meu texto é o envelopinho para você. É minha autoclave.

Terminada a observação, a memória.

Em 1997, tinha menos títulos, menos compromissos, mais alunos. Tinha um casamento falido; meu partido era o coração partido. Fazia mestrado. Era inocente, impertinente, engraçado. Ah! isso sempre fui. Creio continuar a ser.

Em 1997, viajei para Portugal, com bolsa de estudos. Uma outra viagem, depois, já nos anos 2001, se sobrepõe a essa, tudo que vivi depois se sobrepõe as duas viagens que fiz a Portugal, tudo que vivo agora se sobrepõe ao passado, como uma massa densa de uma argila de devir.

Suo por estar aqui. Suei para chegar aqui. Seco ao olhar para 1997.



Em 1997, disse para a mulher com que estava casado:

acabou!

Ela não acreditou, mas não cantou (nem foi para) Atrás da Porta.

No dia seguinte, pediu confirmação da frase. Não só confirmei, como construí um parágrafo inteiro coerente e coeso com a separação.

Vinícius fez o Soneto da Separação. Fiz um parágrafo.

1997, foi uma longa prosa: mares de Portugal, de Espanha. Foi ano em que passei a virada do ano em Sevilha. Lá encomendei e comprei, mas não paguei, meu ex-libris.



Em Madrid, aos 24/12/97, invadi uma Missa do Galo (nada Machado) ao lado da índia de quem me separava. Foi uma pândega gentil frente a europeus. Uma piada em meio à crise conjugal.

A viagem foi um intervalo, nem por isso sem briga, na separação.

Em 1997, cruzei o Atlântico, mudei de hemisfério, sempre sendo paulista caipira. Comecei a deixar de ser sério, sem nunca deixar de ser grave, mas leve.

Em 1997, sagitário regeu minha vida. Antes leão e escorpião, que não me deixam mentir.


Ps.: Júlia, querida, anexo o ex-libris e o envelopinho digitalizados. As imagens atestam que, embora ficção, tudo que disse é verdade. Com meus melhores beijos de amizade,

Eduardo Sinkevisque.

Cátia Pereira

Em 1997 eu chamava-me cátia e tinha 14 anos. Não tenho a certeza se me chamava cátia porque sempre tive a mania de me chamar outros nomes, aliás, foi nesse ano que conheci o meu amigo Nuno que ainda hoje me chama Poca. Tinha o cabelo muito comprido e usava tranças, no verão ficava muito morena, e ele achou que eu parecia a Pocahontas. Acho que esse filme estreou nesse ano ou no anterior.

Em 1997 descobri que ia fazer música, foi com o Nuno, e ainda hoje fazemos. Um dia ele disse-me que fosse ter com ele para ensaiarmos. Ele estava na casa de um outro amigo e quando bati à porta apareceu uma rapariga com as mãos atadas a rir, a casa estava cheia de pessoas a fumar ganzas e a beber whiskey. Passámos a tarde a fazer uma música fechados num quarto, interrompidos de quando em quando pela rapariga de mãos atadas e a rir, que queria ouvir. Nunca mais deixámos de fazer músicas.

Em 1997 eu saia das aulas a correr para ir jogar à bola com os rapazes, não sabia o que era namorar. Desde muito nova que achava ridículos os namoros das crianças, eu queria fazer as coisas a sério, achava que namorar não podia ser só beijinhos e mão dada, eu achava que só queria quando fosse grande e ser grande era fazer as coisas a sério. Achava que com aquela idade não se podia sentir as coisas a sério. Não sabia o que era sentir a sério mas estava disposta a esperar.

Em 1997 eu fui sair ao bairro alto pela primeira vez. Entrei num bar para maiores de 16 e não sei como é que não me pediram o B.I.. Mas dessa vez não me embebedei. Costumávamos passar algumas noites de sexta ou sábado na serra de Sintra. Apanhávamos o comboio e subiamos a serra, uma vez levámos mochilas cheias de pacotes de sangria, daquela muito rasca. Dessa vez é que me embebedei. Estavámos a ver o pôr-do-sol numa torre no meio da serra, começámos a beber sem saber bem o que ia acontecer. Comecei a ficar tonta, quando olhámos uns para os outros desatámos a rir. Depois fizémos uma fogueira e continuámos a rir.

Em 1997 fui pela primeira vez passar férias com os meus amigos. Não sei se me esqueço de algum, o Nuno, o Tiago, o Fan Fan, o Bruno, o Ricardo, o Fredi, e havia mais, mas não me lembro. Não tinha muitas amigas, mas gostava de ter. Fomos para a ilha de Tavira, onde não havia carros nem horas. O paraíso.

Em 1997 houve muitos dias e lembro-me de tantos. Lembro-me como se fosse amanhã!

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o myspace da cátia e seus amigos: www.myspace.com/gutanaki

domingo, 16 de maio de 2010

Júlia Hansen

Troquei de escola duas vezes, eu tinha 13 anos.

A primeira era pública, estava nela desde os 7. Era um campus imenso. Então, mudei pra uma escola minúscula de alunos filhos de artistas, arquitetos, intelectuais. Na beira do Pirajussara ou outro córrego vagabundo da Zona Oeste de São Paulo. No meio deles me senti uma qualquer, minha sensibilidade era igual a de todos e, mais, podia a todo momento não ser suficiente.

Depois fui parar numa legítima escola tradicional, meus pais disseram que era um lugar de direita, mas eu preferia mesmo não acordar cedo porque só tinha aula de tarde, era perto de casa e me senti segura porque já tinha amigos que estudavam lá.

Como perdia nota se não fazia as lições e eu nunca fazia nada, compensava faltando nas aulas . Se não estava lá, ninguém podia anotar. Quase repeti por falta (isso em todos os anos), também porque preferia dormir durante toda a manhã e depois toda a tarde também. Também ficava muito gripada, só parava na exaustão. E nada tirava o gosto de burlar a regra e assistir a Sessão da Tarde na Globo.

Era uma analfabeta nas aulas de gramática e o professor fazia questão de comprovar isso. Nas de geometria o professor mexia a régua no quadro e a peruca dele deslizava na cabeça. O professor de história dizia que a escola era um prédio fascista e foi demitido no meio do ano. O de matemática me fez me apaixonar pelas equações de 2. grau! em outras ocasiões, já até aprendi a me interessar por X-Men ou a ouvir Bach. Tinha boas notas, algum medo das estruturas e respeito pelas pessoas.

Toda minha vida era na Granja Viana, toda a vida era o-colégio-e-o-clube. No clube, jogava muito futebol e nadava, quando isso ainda era mais pular do que deslizar. Via as velhas jogando tranca e buraco, enquanto fumávamos escondidos no campo de botcha e também no parquinho. Foi o ano entre o que comecei a fumar e o que meus pais descobriram que eu fumava.

Nos momentos em que eu não me sentia uma imbecil era porque estava afogada ou morrendo de rir. Sentia muita tensão acumulada no corpo. Ríamos muito. Pensando hoje, eu não chorava, e esse era um equívoco. Não sei se foi nesse ano ou no seguinte, um porre homérico de vodka que eu quase desmaiava de inconsciência. Nunca mais cheguei nem perto disso. O álcool nunca foi a minha droga.

Eu queria controlar o universo e estava certa de que era possível, de que eu via tudo em todos mas que ninguém via nada em mim. Estourava. Era o topo do universo. Nublado, nublado. Comia um pacote de chocolícia por dia com um litro de água gelada. Era magra e me achava gorda. E enchia o quarto de desodorante depois de fumar. Note-se: fumava com a janela fechada por conta dos vizinhos.

Minha sobrinha mais velha nasceu na Avenida Paulista. Meu melhor amigo era o Duda. E também a Suzana e o Felipe e a Gabi. Não sei se ainda era amiga da Bia e da Paula. Se era, toda essa paisagem também tem um lago do condomínio que já não lembro o nome. Fazíamos festinhas nas casas uns dos outros, bebíamos. As meninas se interessavam pelos meninos um pouco mais velhos do que nós. Alguma velocidade neles me constrangia. Eu mentalizava paixões pra me distrair. Conheci a Mariana que ainda hoje é das minhas melhores amigas. Mas na altura não nos demos muita bola.

Ouvia música. Não lia, nem escrevia. Era tudo tanto que eu me sentia vazia. Embora no ano anterior tenha publicado uns poemas na antologia da escola, trocar de colégio foi tanto apagar quem eu vinha sendo, que me lembro de voltar a escrever só uns dois anos depois.

Mas tinha uma agenda do Projeto Tamar em que eu tentava colocar imagens presas com clipes como as meninas faziam, recortadas de revistas Capricho e fotos de nós mesmas. Nessa agenda minha irmã escreveu duas coisas, no dia em que fiquei menstruada pela primeira vez (estávamos na Praia do Forte, na Bahia) e pedi pra ela não contar pra ninguém. É claro que na semana seguinte a família toda comentava. Mas a Laura escreveu na contracapa a única coisa sincera daquela agenda:

fogo eterno
pra afugentar
o inferno

pra outro lugar
fogo eterno
pra consumir
o inferno

fora daqui

&

if you hold a stone
hold it in your hand
if you feel the weight
will never be late
to understand

Eu vivia de sonos e ímpetos.

Eu tinha o rosto coberto, repleto de acne e um dia uma menina me disse que juntas formávamos uma flor; ela era a rosa enquanto eu era os espinhos do caule.