sexta-feira, 22 de julho de 2011

Suzana


Em 1997 eu tinha 14 anos e sabia que a ordem natural da vida era: nascer-viver-morrer. Porém, quando a mãe da Marina morreu do coração, o tio da Roberta em um acidente de carro e a filha de um amigo do meu pai, aos 14 anos, tive certeza que o mundo estava fora dos eixos.
Naquele ano, um pouco antes das férias, cortei o cabelo curtíssimo, como o da Amelie Poulain, mas sem a franja. Naquelas férias, meu pai pediu um táxi, solicitou que fosse levado à rodoviária e, lá, pediu um bilhete para o primeiro ônibus que saísse. Foi parar em Tailândia, no Pará, mas isso só fiquei sabendo muito tempo depois. Foram as últimas férias da família toda junta, mas isso, também, eu só saberia muito depois. 
Naquele ano me apaixonei pelo menino-mais-bonito-do-colégio, participei de um teatrinho cujo tema era prevenção às drogas, fiz uma festa de aniversário em que fui feliz, cantava “Depois do prazer” em tom choroso, para debochar e, como todos os meus amigos, dizia odiar Claudinho e Bochecha, mas é provável que um dia tenha cantado aquilo, porque grudava na cabeça.
Eu queria ser jornalista, eu estudava piano em um conservatório em que as gurias me desprezavam, eu fazia caminhada sozinha, eu tirei o aparelho dos dentes, eu ganhei um livro de Camus, no Natal, ponto muito importante e que definiu muito do que veio depois.
Fizemos uma festinha de formatura de oitava série cujo convidado de honra era o professor de matemática, que eu deixava falando sozinho na sala, levantava e ia embora, quando a aula era no último horário. Ele gritava para eu voltar, lá de dentro, dizendo: Vou tirar 5 pontos! Dez pontos! Não sei se ele aumentava infinitamente a nota que me tiraria, mas a verdade é que ele não tirava nada. Ele possuía uma aura de fracasso que era muito anterior ao nosso desrespeito e, de certa forma, aos 14 anos, era o professor/adulto com quem mais poderíamos nos identificar. Eu olhava para trás, no fim do corredor, e dava tchauzinho. Quando ele se matou, senti remorso por isso. 
O ano acabou, a festa acabou e, no final, estava ao lado do aparelho de som ouvindo Nenhum de Nós e tomando um vinho de garrafão: Depois da última noite de festa, chorando e esperando, amanhecer, amanhecer, as coisas aconteciam com alguma explicação, com alguma ex-pli-ca-ção.
Explicação não tinha e eu fui em uma sessão espírita em que, segundo meu tio, as pessoas era mesmo possuídas. Assistindo ao transe, tive uma vontade tremenda de rir, e pensava na música do Cazuza, já que o tema daquela noite era a piedade. Acho que em alguma hora não controlei direito o riso, porque um homem me olhou com uma cara muito feia. Murchei.
Quem eu era? Não sei. Eu queria uma vida grande, cheia de emoções, sempre ensolarada. Coisas que, no mundo adulto das pessoas da minha casa, não tinha.
Um milhão de recortes mais poderia fazer de 1997, mas hoje estou triste e fico por aqui.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Renan Nuernberger


(1) uma linda camponesa estava engajada no Movimento dos Sem-terra e se chamava Patrícia Pillar. Olhos de diadorina, duas gemas que nenhuma maquiagem fake esconde, entre os Mezenga e os Berdinazzi, Patrícia Pillar fez de si e seu personagem o próprio estandarte das campanhas pela reforma agrária. Antônio Fagundes era petista e galã. As famílias pequeno-burguesas não se escandalizavam quando a Rede Globo apresentava a Comédia da Vida Privada (esquetes humorístico que nada revelavam sobre o ridículo das convenções sociais e sobre a apatia da classe média liberal). Não havia reality shows e o presidente era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Eu tinha 11 anos e ouvia o Acústico MTV dos Titãs.

(2) um ator de soap-opera chamado Joey Tribbiani estava no auge do sucesso como Dr. Drake Ramoray. Jennifer Aniston, a mina do Brad Pitt, ainda não sabia mas pagaria um pau pra ele, seu amigo (todas as minas de todos os caras pagariam pau pra ele). As soap-operas brasileiras chamadas novelas (as novels brasileiras se chamam romances e os romances são a mesma coisa em qualquer lugar) seguiam como produto de exportação pós-Bossa Nova. Joey não gostava de Bossa Nova mas gostava das novelas da Globo, principalmente das atrizes. Era fissurado numa atriz chamada Thalía. Nem todos em New York – e ele era de New York – sabiam estas coisas exóticas mas sabê-las eram um afrodisíaco e tanto e seu sex appeal era enorme e só crescia entre as mulheres da cidade. Um seu amigo meio loser chamado Chandler Bing era assíduo frequentador do show de stand-up comedy de Jerry Seinfeld (não havia stand-up no Brasil?) e sonhava conhecê-lo pessoalmente e, para isso, aproximou-se de um gordinho meio loser chamado George Costanza. Uma amiga de George e Seinfeld, Elaine Benes, era uma agente literária que (como todas) pagava um pau pra Joey. O papo-cabeça e as diferenças entre novelas e romances, as especificidades da castanha brasileira e outras coisas assim (a série era sobre nada), brochavam a máquina que era Joey Tribbiani. Mas foi ela, afinal, que lhe sugeriu o presente perfeito para Jennifer Aniston: o livro Sex and the city de Candace Bushnell.

(3) um padre católico de tendência carismática e professor de educação física gravava um disco. Marcelo Rossi seria o primeiro entre tantos outros padres-cantores de voz mansa e corpo em forma. Eu era dispensado da Educação Física por prescrição médica mas fazia aulas de natação duas vezes por semana (problemas na coluna vertebral). A Igreja Católica soube, como a Apple Computers soube, sair da pindaíba em que se metera: aprendeu com as concorrentes (as Igrejas Evangélicas) como se aproximar de um público jovem e bem disposto. Steve Jobs, co-fundador da Apple, levou um pé na bunda nos inícios dos anos 90 de sua própria companhia. Levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima como CEO da mesma Apple, agora pedindo arrego a Microsoft. Saca? Jobs no ano seguinte criou o iMac e não tardaria para o novo papa, Bento 16, criar uma conta no Twitter. A Rede Globo retrocedeu em seu aspecto laico (cancelou a Comédia da Vida Privada) e todos os domingos pede a bênção do Padre Marcelo para aumentar o ibope do Fantástico. Mas o Deus da Record parecia mais ungido. Silvio Santos era um cristão novo. Eu frequentava a Igreja Batista do Ipiranga e aguardava ansioso as tele-aulas sobre o Apocalipse.

(4) MCMXCVIII foi o nome do primeiro livro do poeta Dirceu Villa, lançado um ano depois de 1997 (naquela época eu jamais saberia…). Escrevi meu primeiro poema em maio de 1997: um acróstico com o nome de minha mãe que surpreendeu algumas professoras de português. Uma promessa literária ou talvez um grande pastor. Eu estava na 5º série, estudava no Colégio Luterano de São Paulo e não gostava de Spice Girls, Só pra Contrariar, Backstreet Boys ou É O Tchan – embora ouvisse, vez ou outra, Raimundos ou Racionais. Eu era fã de Engenheiros do Hawaii.

(5) a primeira Parada do Orgulho GLBT em São Paulo, um estado evidentemente retrógrado vice-governado pelo membro da Opus Dei Sr. Geraldo Alckmin, foi um must! A Rede Globo apresentava a Comédia da Vida Privada e quase nunca exibia gays em sua grade de programação (apenas como caricaturas). O beijo, o beijo concedido entre dois atores do mesmo sexo ficou para outro século: no ano seguinte explodiriam a Tropical Towers da novela Torre de Babel só para dar fim ao romance entre Christiane Torloni e Silvia Pfeifer. Explodiriam as Twin Towers para impedir o beijo entre dois atores do mesmo século? Por que não há X-men gays? (eu lia muita HQ nesta época). Diadorim não se esconderia sob uma maquiagem fake na São Paulo de Geraldo Alckmin? Até quando as relações homoafetivas seriam pecado para as Igrejas? Meus pais me presentearam com o Guia dos Curiosos de Marcelo Duarte e eu descobri que o primeiro beijinho – assim quietinho – de novela foi em 1951 entre Vida Alves e Walter Foster. Sua vida me pertence: um escândalo! Eu parei de frequentar a Igreja Batista e as coisas todas mudariam: Caetano Veloso lançava o Verdade Tropical e o Gugu Liberato apresentava o Domingo Legal. Pouco depois, Caetano cantaria “Sozinho” no Gugu e alguém me falaria sobre um tal de Drummond.
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