domingo, 16 de maio de 2010

Júlia Hansen

Troquei de escola duas vezes, eu tinha 13 anos.

A primeira era pública, estava nela desde os 7. Era um campus imenso. Então, mudei pra uma escola minúscula de alunos filhos de artistas, arquitetos, intelectuais. Na beira do Pirajussara ou outro córrego vagabundo da Zona Oeste de São Paulo. No meio deles me senti uma qualquer, minha sensibilidade era igual a de todos e, mais, podia a todo momento não ser suficiente.

Depois fui parar numa legítima escola tradicional, meus pais disseram que era um lugar de direita, mas eu preferia mesmo não acordar cedo porque só tinha aula de tarde, era perto de casa e me senti segura porque já tinha amigos que estudavam lá.

Como perdia nota se não fazia as lições e eu nunca fazia nada, compensava faltando nas aulas . Se não estava lá, ninguém podia anotar. Quase repeti por falta (isso em todos os anos), também porque preferia dormir durante toda a manhã e depois toda a tarde também. Também ficava muito gripada, só parava na exaustão. E nada tirava o gosto de burlar a regra e assistir a Sessão da Tarde na Globo.

Era uma analfabeta nas aulas de gramática e o professor fazia questão de comprovar isso. Nas de geometria o professor mexia a régua no quadro e a peruca dele deslizava na cabeça. O professor de história dizia que a escola era um prédio fascista e foi demitido no meio do ano. O de matemática me fez me apaixonar pelas equações de 2. grau! em outras ocasiões, já até aprendi a me interessar por X-Men ou a ouvir Bach. Tinha boas notas, algum medo das estruturas e respeito pelas pessoas.

Toda minha vida era na Granja Viana, toda a vida era o-colégio-e-o-clube. No clube, jogava muito futebol e nadava, quando isso ainda era mais pular do que deslizar. Via as velhas jogando tranca e buraco, enquanto fumávamos escondidos no campo de botcha e também no parquinho. Foi o ano entre o que comecei a fumar e o que meus pais descobriram que eu fumava.

Nos momentos em que eu não me sentia uma imbecil era porque estava afogada ou morrendo de rir. Sentia muita tensão acumulada no corpo. Ríamos muito. Pensando hoje, eu não chorava, e esse era um equívoco. Não sei se foi nesse ano ou no seguinte, um porre homérico de vodka que eu quase desmaiava de inconsciência. Nunca mais cheguei nem perto disso. O álcool nunca foi a minha droga.

Eu queria controlar o universo e estava certa de que era possível, de que eu via tudo em todos mas que ninguém via nada em mim. Estourava. Era o topo do universo. Nublado, nublado. Comia um pacote de chocolícia por dia com um litro de água gelada. Era magra e me achava gorda. E enchia o quarto de desodorante depois de fumar. Note-se: fumava com a janela fechada por conta dos vizinhos.

Minha sobrinha mais velha nasceu na Avenida Paulista. Meu melhor amigo era o Duda. E também a Suzana e o Felipe e a Gabi. Não sei se ainda era amiga da Bia e da Paula. Se era, toda essa paisagem também tem um lago do condomínio que já não lembro o nome. Fazíamos festinhas nas casas uns dos outros, bebíamos. As meninas se interessavam pelos meninos um pouco mais velhos do que nós. Alguma velocidade neles me constrangia. Eu mentalizava paixões pra me distrair. Conheci a Mariana que ainda hoje é das minhas melhores amigas. Mas na altura não nos demos muita bola.

Ouvia música. Não lia, nem escrevia. Era tudo tanto que eu me sentia vazia. Embora no ano anterior tenha publicado uns poemas na antologia da escola, trocar de colégio foi tanto apagar quem eu vinha sendo, que me lembro de voltar a escrever só uns dois anos depois.

Mas tinha uma agenda do Projeto Tamar em que eu tentava colocar imagens presas com clipes como as meninas faziam, recortadas de revistas Capricho e fotos de nós mesmas. Nessa agenda minha irmã escreveu duas coisas, no dia em que fiquei menstruada pela primeira vez (estávamos na Praia do Forte, na Bahia) e pedi pra ela não contar pra ninguém. É claro que na semana seguinte a família toda comentava. Mas a Laura escreveu na contracapa a única coisa sincera daquela agenda:

fogo eterno
pra afugentar
o inferno

pra outro lugar
fogo eterno
pra consumir
o inferno

fora daqui

&

if you hold a stone
hold it in your hand
if you feel the weight
will never be late
to understand

Eu vivia de sonos e ímpetos.

Eu tinha o rosto coberto, repleto de acne e um dia uma menina me disse que juntas formávamos uma flor; ela era a rosa enquanto eu era os espinhos do caule.

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