quinta-feira, 7 de julho de 2011

Renan Nuernberger


(1) uma linda camponesa estava engajada no Movimento dos Sem-terra e se chamava Patrícia Pillar. Olhos de diadorina, duas gemas que nenhuma maquiagem fake esconde, entre os Mezenga e os Berdinazzi, Patrícia Pillar fez de si e seu personagem o próprio estandarte das campanhas pela reforma agrária. Antônio Fagundes era petista e galã. As famílias pequeno-burguesas não se escandalizavam quando a Rede Globo apresentava a Comédia da Vida Privada (esquetes humorístico que nada revelavam sobre o ridículo das convenções sociais e sobre a apatia da classe média liberal). Não havia reality shows e o presidente era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Eu tinha 11 anos e ouvia o Acústico MTV dos Titãs.

(2) um ator de soap-opera chamado Joey Tribbiani estava no auge do sucesso como Dr. Drake Ramoray. Jennifer Aniston, a mina do Brad Pitt, ainda não sabia mas pagaria um pau pra ele, seu amigo (todas as minas de todos os caras pagariam pau pra ele). As soap-operas brasileiras chamadas novelas (as novels brasileiras se chamam romances e os romances são a mesma coisa em qualquer lugar) seguiam como produto de exportação pós-Bossa Nova. Joey não gostava de Bossa Nova mas gostava das novelas da Globo, principalmente das atrizes. Era fissurado numa atriz chamada Thalía. Nem todos em New York – e ele era de New York – sabiam estas coisas exóticas mas sabê-las eram um afrodisíaco e tanto e seu sex appeal era enorme e só crescia entre as mulheres da cidade. Um seu amigo meio loser chamado Chandler Bing era assíduo frequentador do show de stand-up comedy de Jerry Seinfeld (não havia stand-up no Brasil?) e sonhava conhecê-lo pessoalmente e, para isso, aproximou-se de um gordinho meio loser chamado George Costanza. Uma amiga de George e Seinfeld, Elaine Benes, era uma agente literária que (como todas) pagava um pau pra Joey. O papo-cabeça e as diferenças entre novelas e romances, as especificidades da castanha brasileira e outras coisas assim (a série era sobre nada), brochavam a máquina que era Joey Tribbiani. Mas foi ela, afinal, que lhe sugeriu o presente perfeito para Jennifer Aniston: o livro Sex and the city de Candace Bushnell.

(3) um padre católico de tendência carismática e professor de educação física gravava um disco. Marcelo Rossi seria o primeiro entre tantos outros padres-cantores de voz mansa e corpo em forma. Eu era dispensado da Educação Física por prescrição médica mas fazia aulas de natação duas vezes por semana (problemas na coluna vertebral). A Igreja Católica soube, como a Apple Computers soube, sair da pindaíba em que se metera: aprendeu com as concorrentes (as Igrejas Evangélicas) como se aproximar de um público jovem e bem disposto. Steve Jobs, co-fundador da Apple, levou um pé na bunda nos inícios dos anos 90 de sua própria companhia. Levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima como CEO da mesma Apple, agora pedindo arrego a Microsoft. Saca? Jobs no ano seguinte criou o iMac e não tardaria para o novo papa, Bento 16, criar uma conta no Twitter. A Rede Globo retrocedeu em seu aspecto laico (cancelou a Comédia da Vida Privada) e todos os domingos pede a bênção do Padre Marcelo para aumentar o ibope do Fantástico. Mas o Deus da Record parecia mais ungido. Silvio Santos era um cristão novo. Eu frequentava a Igreja Batista do Ipiranga e aguardava ansioso as tele-aulas sobre o Apocalipse.

(4) MCMXCVIII foi o nome do primeiro livro do poeta Dirceu Villa, lançado um ano depois de 1997 (naquela época eu jamais saberia…). Escrevi meu primeiro poema em maio de 1997: um acróstico com o nome de minha mãe que surpreendeu algumas professoras de português. Uma promessa literária ou talvez um grande pastor. Eu estava na 5º série, estudava no Colégio Luterano de São Paulo e não gostava de Spice Girls, Só pra Contrariar, Backstreet Boys ou É O Tchan – embora ouvisse, vez ou outra, Raimundos ou Racionais. Eu era fã de Engenheiros do Hawaii.

(5) a primeira Parada do Orgulho GLBT em São Paulo, um estado evidentemente retrógrado vice-governado pelo membro da Opus Dei Sr. Geraldo Alckmin, foi um must! A Rede Globo apresentava a Comédia da Vida Privada e quase nunca exibia gays em sua grade de programação (apenas como caricaturas). O beijo, o beijo concedido entre dois atores do mesmo sexo ficou para outro século: no ano seguinte explodiriam a Tropical Towers da novela Torre de Babel só para dar fim ao romance entre Christiane Torloni e Silvia Pfeifer. Explodiriam as Twin Towers para impedir o beijo entre dois atores do mesmo século? Por que não há X-men gays? (eu lia muita HQ nesta época). Diadorim não se esconderia sob uma maquiagem fake na São Paulo de Geraldo Alckmin? Até quando as relações homoafetivas seriam pecado para as Igrejas? Meus pais me presentearam com o Guia dos Curiosos de Marcelo Duarte e eu descobri que o primeiro beijinho – assim quietinho – de novela foi em 1951 entre Vida Alves e Walter Foster. Sua vida me pertence: um escândalo! Eu parei de frequentar a Igreja Batista e as coisas todas mudariam: Caetano Veloso lançava o Verdade Tropical e o Gugu Liberato apresentava o Domingo Legal. Pouco depois, Caetano cantaria “Sozinho” no Gugu e alguém me falaria sobre um tal de Drummond.
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