quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rita Brás

em 97 minha avó morreu.
no dia de aniversário da minha melhor amiga. a gente tinha ido dançar nessa noite para o Jamaica, uma discoteca no Cais do Sodré, e eu cheguei em casa bem tarde. me lembro de um momento dessa noite em casa de minha mãe depois de chegar, entrar na casa-de-banho, me olhar no espelho, e de ficar quieta. mais tarde pensei que senti o exato momento da morte da minha avó. mas não sei, nunca soube, bem a hora em que morreu. ela estava num lar. coisa meio triste, mas a decisão não era minha, e eu ia visitá-la toda a semana. foi minha mãe que entrou no quarto de manhãzinha pra me dar a notícia, ela começou a chorar e estava nua, e uma estranheza enorme me invadiu, porque ninguém esperava. ninguém esperava nada disso, nem a morte, nem a estranheza, porque era meu avô quem devia morrer primeiro. lembro-me de ouvir que minha avó estava no lar só para meu avô ficar melhor. Minha amiga Teresa fazia 17 anos no dia 23 de fevereiro. Mais tarde soube que é o dia em que morreu também o Zeca Afonso, dez anos antes da minha avó. Nessa altura costumo pensar que eles estão juntos, não conversando, mas rindo muito de nós, e da nossa obsessão com datas e papéis manuscritos, videos na internet, loiça e saladas. Em 97 eu comecei a visitar mais meu avô, porque ele estava sozinho no lar, e então eu lia para ele às vezes, mostrava-lhe fotos. Conversávamos. Sentia uma ternura diferente por ele, agora, e lembro-me de pensar que nunca o tinha conhecido antes, porque eu era da minha avó, e meu irmão é que era dele. E isso a gente até herda: eu fiquei com o relógio de ouro e as jóias dela, e meu irmão com o carocha de 63 dele. Nesse ano de 97 eu fiz férias de Verão na vila de Coja, com a minha amiga Teresa (que tem lá família) e outras amigas nossas do liceu. Minha prima Juliana também foi lá ter. Tenho muitas sensações desse Verão: lembro-me do Moleiro (que aparece no filme "Aquele querido mês de Agosto" do Miguel Gomes) se atirar aos lindos olhos de minha prima, lembro-me de ouvir o álbum Zooropa dos U2, de estar debaixo da cascata do rio, de haver um colchão com dinheiro que alguém tinha descoberto, de beber vodka red bull pela primeira vez, da discoteca ter uma porta secreta nos fundos por onde a gente saía sem pagar. De Coja enviei um postal ao meu avô, que minha mãe achou agora na garagem da casa da costa. Acho que com os avós meio que a gente adopta o jeito antigo de eles falarem, há um respeito diferente. Esta casa da costa era a casa de férias deles, e pelos vistos foi meu pai que guardou o postal num dossier lá na garagem. Depois do meu pai morrer há dois anos, foi minha mãe quem ficou com a casa. As obras começaram a semana passada.










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